Sua Majestade o plural

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Ops! Foi um susto. Janyce Freire Silva conta: “Sou contadora. Decidi cursar direito pra realizar um sonho antigo. Passei no vestibular. Na primeira aula, tudo muito animador. A professora de direito civil indicou vários livros. Entre eles, o de Maria Helena Diniz. Entusiasmadíssima, li o prefácio. Eis a frase de abertura: `Com o intuito de sermos útil no estudo´. Sermos útil? Uiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii! Meus olhos e ouvidos sofreram. Eles exigem sermos úteis. Estão certos? Ou é capricho de quem não tem o que fazer?” A resposta tem tudo a ver com a política. Quer ver? 

Questão de modéstia
  A campanha eleitoral está no ar. Com ela, volta ao cartaz um pluralzinho pra lá de especial. Uns o chamam de plural de modéstia; outros, de majestático. No fundo, no fundo, ele não passa de um enganador. É singular. Mas faz de conta que não está nem aí pro número a que se refere.
  A pessoa usa nós, mas quer dizer eu. Assim, como quem não quer aparecer. Antes, empregado por reis, papas e dignitários da Igreja, o recurso exibia cetro e coroa. Daí o nome majestático. Depois, baixou de status. Oradores passaram a socorrer-se dele como expediente retórico. Só pra impressionar. É o caso daquele político que, em comício na cidadezinha do interior, disse: “Nós queremos ser bondoso e competente”. 
 
  Será?
  O povo se entreolhou. Pensou que o candidato fosse analfabeto de pai e mãe. Talvez fosse. Mas, ali, o homem usou o plural de modéstia. O verbo concorda com o sujeito de fachada (nós), mas o adjetivo, que não é bobo, concorda com o sujeito verdadeiro (eu). Parece erro de concordância, não? Em língua de gente sem falsidade, diríamos:
• Eu quero ser bondoso e competente (referência a uma pessoa).
• Nós queremos ser bondosos e competentes (referência a mais de uma pessoa).
  Mais exemplos? Imagine estas frases na boca do hóspede do Palácio do Planalto. Elas servem como luva para a plural majestático:
• Nós somos presidente de todos os brasileiros.
(Eu sou presidente de todos os brasileiros.)
• Nós somos moderno e amigo do povo.
(Eu sou moderno e amigo do povo.) 
 
Moral da história
  O pseudomodesto é pai dos tucanos. Fica no muro. Meio lá, meio cá. O verbo vai para o plural. Os adjetivos e substantivos não. É o caso da consulta de Janyce. Maria Helena Diniz apelou pro plural de modéstia. Em vez do eu, escolheu o nós. O adjetivo, como manda o figurino, concorda com eu.