O texto é rua de mão dupla. Numa pista está a escrita. Na outra, a leitura. Quem escreve precisa manter os olhos abertos e os ouvidos atentos ao que vem de lá. A tarefa é árdua. Exige, como de todo bom motorista, atenção, sensibilidade e técnica. Convenhamos: um ou outro condutor podem ter uma ou outra habilidade inatas. Mas precisam desenvolver outras. É possível? É. Existem autoescolas e instrutores capazes de iluminar o caminho das pedras. Eles não chutam. Guiam-se pelas regras do código de trânsito.
Redatores profissionais conhecem as normas da escrita. São muitas. As gramaticais estão no papo. Concordâncias, regências, pontuações & cia. são café pequeno. Estudadas desde os primeiros anos, oferecem-se sem resistência. O desafio reside na legibilidade. É preciso ser entendido. Pra chegar lá, três regras merecem atenção especial. Uma: menor é melhor. Outra: menos é mais. A lanterninha, mas não menos importante: os primeiros serão os primeiros. Menor é melhor
Entre duas palavras, fique com a mais curta. Entre duas curtas, a mais simples. Fuja das pretensiosas e ocas. Elas afugentam o leitor. Só ou somente? Só. Colocar ou pôr? Pôr. Chuva ou precipitação pluviométrica? Chuva. Contabilizar ou somar? Somar. Equalizar ou igualar? Igualar. Fidelizar ou conquistar? Conquistar. Priorizar ou dar prioridade? Dar prioridade.
Não só vocábulos contam. Frases também entram na jogada. A frase curta — com mais ou menos 150 toques — tem duas vantagens. Uma: diminui o número de erros. A gente tropeça menos nas conjunções, nas vírgulas, na concordância, na correlação verbal. A outra: torna o texto mais claro — a maior qualidade do estilo. Como chegar lá? Use pontos. Compare:
Na Câmara e no Senado, parlamentares transformaram a eleição para a presidência em balcão de negócios, discutindo privilégios em público, sem cerimônia ou senso de oportunidade, buscando garantir cargos, vantagens, gabinetes, funcionários, gratificações.
Na Câmara e no Senado, parlamentares transformaram a eleição para a presidência em balcão de negócios. Discutem vantagens em público sem cerimônia ou senso de oportunidade. Entre as barganhas, figuram cargos, gabinetes, funcionários, gratificações. Menos é mais
“Escrever é economizar palavras”, ensina Drummond. “Escrever é cortar”, confirma Marques Rebelo. “Seja conciso”, aconselha o professor. Os três dão o mesmo recado — respeite a paciência do leitor. Quanto menos palavras você gastar pra transmitir uma ideia, melhor. Muito melhor.
Como ser conciso sem prejudicar a mensagem? Existem atalhos. Um deles: eliminar palavras ou expressões desnecessárias. Artigos indefinidos, pronomes possessivos, adjetivos, advérbios são candidatos à tesoura. Menos palavras é mais clareza, mais objetividade, mais rapidez. Compare:
Neste momento, depois de tanto ler, nós acreditamos que, sempre que necessário e aprovado pelo bom senso, o redator deve tentar escrever seus textos com substantivos e verbos, eliminando todas as demais classes gramaticais.
Cruz credo! A ideia central está escondida na selva de palavras. Fiquemos com o essencial:
O redator escreve textos com substantivos e verbos. Os primeiros serão os primeiros
A psicologia prova. A pessoa só consegue dominar certo número de palavras antes que os olhos peçam pausa. Testes sobre a legibilidade e a memória demonstram dois fatos. Um: se o período tem a média de 200 toques, o leitor retém a segunda metade pior que a primeira. Dois: se 250 ou mais, grande parte do enunciado se perde. Daí a importância da frase curta e da ordem direta — sujeito, verbo, objeto direto e indireto, adjunto adverbial.
Michel Temer (suj.) disputa (verbo) a presidência da Câmara (obj.) na segunda-feira. (adj. adv.)
Fugiu dessa carreirinha? Entrou na ordem inversa:
Na segunda-feira, Michel Temer disputa a presidência da Câmara. A presidência da Câmara Michel Temer disputa na segunda-feira. Michel Temer, na segunda-feira, disputa a presidência da Câmara. A primeira estrofe do Hino Nacional abusa da ordem inversa. Com ela, dá passagem à dificuldade:
Ouviram do Ipiranga as margens plácidas de um povo heroico o brado retumbante.
Na ordem direta, a clareza põe a cabeça de fora:
As margens plácidas do Ipiranga ouviram o brado retumbante de um povo heroico.
Moral da história: ao contrário do apregoado pelo dito popular, os últimos não serão os primeiros. Serão os últimos mesmo.