Recado “O mais nobre prazer é a alegria de compreender.” Leonardo da Vinci Sua Excelência o leitor 2 “Por que eles e não eu?”, perguntaram leitores ao se deparar com a coluna de quarta. Ali estavam questões e comentários de gente de Europa, França e Bahia sobre as ciladas da língua. As ausências se explicam. O espaço é curto. Com ele, a tal história do sempre cabe mais um não passa de balela. É coisa de mãe. E, como dizem os hebreus, o Senhor criou a ilustre senhora porque não pode estar em todos os lugares. Ela O representa. Mas a grita valeu. Aqui, vigora a lei do chefe. O leitor sempre tem razão. Cid Roberto Alves, Brasília Outro dia, li o artigo “Desmistificando o economês”. Não sei se estou certo, mas o verbo desmistificar vem sendo usado inadequadamente. Sem cerimônia, usurpa a vez de desmitificar. Eis o texto: “Essas e outras questões ligadas à economia, mas também à política, poder, cultura, história e comportamento estão em Contraponto, que reúne artigos e crônicas inspirados em fatos que desmistificam a linguagem econômica e política, com texto simples, leve e descontraído”. Minha conclusão: o livro pretende tirar o mito de que a linguagem econômica é complicada. A palavra correta seria desmitificar. Estou certo? Rapaz, a língua tem razões que a própria razão desconhece. Em geral, usa-se desmitificar no sentido de tirar o caráter de mito. E desmistificar, de revelar a verdadeira feição, desmascarar, desmoralizar : Pelé é mito do futebol. Muitos tentam desmitificá-lo. Desmitificar Hércules? Impossível. Com o mensalão, desmistificou-se a aura de honesidade do PT. O flagrante de adultério desmistificou a honestidade da moça. Mas não é só. Observe a primeira acepção do termo — revelar a verdadeira feição. Aí encaixa-se a frase que você questiona. O autor promete desvendar o mistério do economês. Pretensão? Na dúvida, banque o São Tomé. É ver para crer. Emmanuelle, lugar incerto Um dia desses me bateu uma senhora dúvida. Trata-se do bem-vindo. A duplinha se flexiona? Guarde isto: ela é bem-vinda, elas são bem-vindas, ele é bem-vindo, eles são bem-vindos. Bem-vinda à coluna, Emmanuelle. Norma Beatriz Miotto, Alterosas Quando ouço as pessoas dizerem “a gente fez”, “a gente vai”, “a gente não gostou”, sinto arrepios. Além de detestar o “a gente”, tenho a impressão de que a dupla pisa a gramática. Estou certa? É questão de preferência. Você não gosta? Parta pra outra. Use nós. O significado se mantém. Mas o texto perde um pouco da informalidade. A língua, você sabe, é um sistema de possibilidades. É conhecer e escolher. José Júlio de Oliveira, Águas Claras Levei um baita susto ao ler matéria sobre os reajustes salariais para o funcionalismo público do DF. Lá estava: “Pena insistiu na versão de que não há dinheiro nem amparo legal para encorporar os contracheques de 2007”. Céus! Não seria incorporar? Acredite. O dicionário registra as duas formas. Mas recomenda incorporar. Ambas querem dizer integrar-se a um conjunto, fazer parte de um todo. Carlos Lúcio, Olinda A gente toma vacina pra gripe ou contra a gripe? Tomar vacina pra gripe? A gripe vai adorar. Fortona, fortona, tornar-se-á dona do seu rico corpinho. E haja tosse, haja febre, haja mal-estar. Convenhamos: ninguém merece. É melhor tomar vacina contra a gripe. Com ela, fecham-se as portas para o incômodo. Xô! Roldão Simas Filho, Brasília Paulo Mendes Campos, há 20 anos, escreveu este primor: “Floresta de Miranda era um dos carecas mais simpáticos do Rio. Além de usar um casaco sem lapela (por inútil), de retirar a buzina de cada carro que comprava, de colocar pronomes pelas leis lusas, além de mil outras manias e sistemas, colecionava palavras antipáticas e rebarbativas. Mostrou-me um álbum em que inúmeras pessoas manifestavam suas ojerizas vocabulares. Lá estava um autógrafo do famoso médico e escritor espanhol Gregório Marañon: `Hay una palabra que odio: pedanteria´. Entre as palavras detestadas por diversos manifestantes (Rubem Braga, Olegário Mariano, Bastos Tigre, Mário Simonsen, Genival Londres, W. Berardinelli, Aguiar Dias, Prudente de Morais Neto) anotei as seguintes: ablução, avatar, barbitúrico, bulha, camaleônico, cogumelo, crebro (amiudado), enxaqueca, esculápio, grotesco, hermenêutica, hipocondríaco, hipopotâmico, impertérrito, interregno, leguleio, manipanço, marginália, mastruço, novel, odontólogo, onomatopaico, oxalá, pabulagem, pandemônio, polichinelo, progenitora, prosopopéia, quiçá, rábula, rubiácea e vacum”. Acrescento: cônguje, esquistossomose.