Causa apreensão o anúncio de que a entrada em vigor da reforma ortográfica pode ser adiada. Assinado em 1990, o acordo passou a viger em caráter transitório de 1º de dezembro de 2009 até 31 de dezembro de 2012. Nesse período, conviveriam as duas grafias. No primeiro dia de 2013, só as novas regras seriam consideradas corretas.
A mudança pegou. Na data prevista, jornais, revistas, tevês amanheceram exibindo a novidade. Editoras se apressaram a atualizar dicionários, gramáticas, livros didáticos e paradidáticos. Bibliotecas, escolas, estudantes, profissionais em geral jogaram na fogueira as obras que se tornaram obsoletas e investiram na aquisição de acervo moderno. Em não raros casos a iniciativa constituiu sacrifício para pais, trabalhadores e comunidades preocupadas com a educação.
Por que voltar atrás no que custou tanto à sociedade? Custou dinheiro, tempo, treinamento. Alegar que Portugal marcou data posterior para tornar obrigatória a mudança não justifica o retrocesso. Afundado em crise econômica, o país tem outras urgências. Resolvidas, novas pautas terão vez. Dizer que professores não conseguiram dominar o tema? É desqualificar os mestres.
As alterações são tão poucas que, se realmente alguém ainda não as aprendeu, uma hora é suficiente para tomar conhecimento das modificações. Ora, derrubar o trema, os acentos diferenciais, o circunflexo dos hiatos oo e eem, o agudo dos ditongos abertos ei e oi, os acentos diferenciais e dois outros casos não constituem nenhum tratado de física. São simplificações que, se exigem esquecimento dos que sabem, vão simplificar a aprendizagem dos que começam agora. Menos regras será necessário memorizar.
Tendência à procrastinação constitui marca registrada do Brasil. Adia-se tudo — a reforma tributária, a modernização das leis trabalhistas, o investimento em infraestrutura, a revolução na educação, a entrada no século 21. E assim, de adiamento em adiamento, perdemos o trem da história e ficamos marcando passo. O acordo pode ser melhorado? Pode.
Mas a mudança exigirá recomeço — novos dicionários, novas gramáticas, novos livros didáticos e paradidáticos. Convenhamos: é hora de avançar. Olhar para trás, neste momento, é tirar a vanguarda do Brasil. Os 200 milhões de brasileiros têm força bem maior que os 40 milhões de lusofalantes europeus e africanos. Cabe à nossa diplomacia atuar para que os outros sigam os passos verde-amarelos. Não o contrário.
(Editorial do Correio Braziliense de ontem.)