“Sabe com quem está falando?” Diante da pergunta, cessa tudo que a musa antiga canta. Alguns têm o poder estampado na cara. Basta mirá-los pra saber que ali está um mandachuva. Outros têm cara de tudo, menos de senhor de senhores. Recorrem, então, ao cartão de autoridade. Parlamentares usam broche na lapela. Chefes, crachá no pescoço. Há os mais discretos. Diante da dúvida, sabem a receita de cor.
Como quem não quer nada, tiram o documento do bolso. Vistoso, com os brasões da República em relevo, o objeto faz estremecer as bases do pobre funcionário. Outros símbolos também valem. Polícia, juiz, general, alto funcionário desta ou daquela empresa exibem o cartão de visita. Ops! É a carteirada. O papel, plastificado ou não, fala e diz — informa quem é quem. Lidar com ele não é escolha. É sobrevivência.
Gente real e gente mascarada
O quem é um pronome elitista. Adora gente e coisa que passa por gente. Sempre que aparece, fala de pessoas ou seres personificados. Quer exemplos? Quem chegou? Não sei quem chegou. Foi Maria quem chegou? A paz é a gente quem faz. Foi Lula quem abriu a Assembléia Geral da ONU ontem. Foi o Ministério da Fazenda quem recebeu a atribuição. É a UnB quem divulga o número de vagas adicionais do próximo semestre.
Na deles
Observou? Construções como essa podem recorrer ao pronome que: A paz é a gente que faz. Foi Lula que abriu a Assembléia Geral da ONU ontem. Foi o Ministério da Fazenda que recebeu a atribuição. É a UnB que divulga o número de vagas adicionais do próximo semestre.
Sou eu quem pago ou paga?
O quem é um dos espinhos da língua. Muita gente corre dele. Não sabe se faz a concordância com o pronome pessoal ou com o quem. Para não dar vexame, busca outra construção. O português, graças a Deus, é versátil. Oferece muitos caminhos.
Mas quem não é nenhum bicho-de-sete-cabeças. Basta entendê-lo para descobrir que o leão é manso como o gatinho lá de casa. Decifre-o.
Saiba que um é dois. Quem equivale a dois pronomes: Eu admiro quem (=aquele que) me admira.
E a concordância? O verbo prefere ficar na terceira pessoa do singular. Não fui eu quem puxou a greve. Foi ele quem chegou atrasado. Somos nós quem paga. Foram eles quem assistiu à estréia do filme.
Esquisito? Pode ser. Mas, se invertermos a ordem das orações, a estranheza some. A construção soa natural. Quer ver? Quem puxou a greve fui eu. Quem chegou atrasado foi ele. Quem paga somos nós. Quem assistiu à estréia do filme foram eles.
Tolerância
A língua é um conjunto de possibilidades. Com o quem o verbo prefere a terceira pessoa. Mas suporta outra construção. Se quiser, você pode concordar com o pronome pessoal: Não fui eu quem puxei a greve. Foi ele quem chegou atrasado. Somos nós quem pagamos a conta. Foram eles quem assistiram à estréia do filme.
Acredite. O quem não morre de amores por essa forma. A praia dele, de verdade, é a terceira pessoa do singular. Mas ele é gilete. Corta dos dois lados.