Dizem as más línguas que o brasileiro é sibarita. Imita os habitantes de Síbaris. Os moradores da ilhazinha grega tinham uma característica. Sentiam aversão ao trabalho. Qualquer esforço físico lhes arrepiava os pêlos mais íntimos.
Os boas-vidas tinham enorme sensibilidade. Suavam copiosamente ao ver um escravo rachar lenha. Perdiam o sono num piscar de olhos. Bastava a empregada descuidar-se. Foi o que aconteceu com um deles. O pobre não conseguiu entregar-se aos braços de Morfeu por uma razão pra lá de justa. Entre as pétalas de rosas que lhe serviam de lençol, havia uma dobrada em duas. Quem consegue dormir com tal desconforto?
O espírito dos sibaritas contagiou o povo tupiniquim. “Ai, que preguiça”, suspira Macunaíma. E nós vamos atrás. A primeira vítima é a língua. Ao falar ou escrever, não dá outra. Apelamos para a lei do menor esforço. Recorremos aos verbos-ônibus. Eles têm coração de mãe. Neles, sempre cabe mais um.
Um ônibus conduz 42 passageiros sentados e outros tantos de pé. Alguns vocábulos os imitam. Funcionam como transporte coletivo. Encaixam-se em qualquer contexto. São as palavras- ônibus.
Genéricas e incolores, tornam a frase vaga, imprecisa. Vale o exemplo de coisa. A danada é um superônibus. Virou minhocão. “Comprei uma coisa pra você” pode ser… qualquer coisa.
Vítimas
As maiores vítimas da sibaritice são os verbos. Ao menor descuido, pronto. Lá estão os usurpadores. Fazer, pôr, dizer, ver & cia. generosa roubam o lugar de outros. Resultado: o vocabulário empobrece. A precisão pede socorro. O prazer da leitura diz bye, bye.
Há saída? Há. Com paciência e boa vontade, a gente deixa a preguiça pra lá. Encontra o verbo mais adequado ao contexto. A frase ganha elegância. Fica podre de chique. Aí, não dá otura. O leitor agradece. Quer ver?
FAZER
Fazer (cavar) uma fossa. Fazer (esculpir) uma estátua. Fazer (redigir ou escrever) artigos para o jornal. Fazer ( proferir) discursos. Fazer (percorrer) o trajeto de carro. Fazer (cursar) economia.
PÔ R
Pôr (acrescentar) uma palavra na frase. Pôr (introduzir) as onda na ferida. Pôr (empregar) o futuro do subjuntivo na oração. Pôr (guardar) a roupa no armário. Pôr (depositar) dinheiro no banco. Pôr ( vestir) o terninho novo. Pôr (calçar) o sapato.
DIZER
Dizer (declamar) poemas .Dizer ( revelar) os segredos da família. Dizer (citar) exemplos. Dizer (contar) a história. Dizer (narrar) os acontecimentos .
TER
Ter (gozar) boa reputação. Ter ( conquistar) o respeito dos subordinados. Ter ( sentir) dor de cabeça. Ter (medir) cinc o metros . Ter (pesar) 50 quilos.Ter ( sentir) pena dos trabalhadores da Novacap .
VER
Ver (admirar) a beleza do quadro. Ver ( observar) os pormenores mais insignificantes. Ver (espiar) pela fechadura. Ver (assistir a) programas de televisão. Ver ( presenciar, apreciar) o desfile de Cardin.
Montaigne dizia e repetia. O estilo tem três virtudes. Uma: clareza. A outra: clareza. A última: clareza. A clareza das idéias anda de mãos dadas com a precisã o das palavras.
É mais ou menos o que frisava Maupassant: “Qualquer que seja a coisa que queiramos dizer, há apenas uma palavra para exprimi-la, um verbo para animá-la e um adjetivo para qualificá-la”.
Buscar o vocábulo mais adequado ao contexto constitui exercício difícil. Exige atenção, cuidado, paciência e pesquisa. Ler bons livros ajuda. Consultar o dicionário também.