Pontos cia.

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    Os sinais gráficos – vírgulas, pontos, travessões, parênteses – não caíram do céu nem saltaram do inferno. Foram criados. Vieram ao mundo por necessidade da expressão. Sem os recursos da língua falada, que também fala com o tom da voz, os silêncios, a gesticulação, as caras e bocas, a escrita buscou compensações.
  A vírgula indica pausa curta. O ponto, parada mais longa. O ponto e vírgula fica no muro. Não é tão breve que se confunda com a vírgula. Nem tão longo que pareça ponto. Mas o texto é exigente. Não se contenta só com pausas. Precisa dar outros recados. É o caso dos travessões e parênteses.
  Na quinta, Carlos Albuquerque leu a matéria “As dimensões do mestre Abdias”, do subeditor de Cultura Sérgio Maggio. Mandou-lhe este e-mail: “Percebo que aprecias os parênteses como recurso explicativo ou intervenções elucidativas, traço de quem pensa no leitor, em oferecer-lhe fundamentos essenciais para compreensão do conteúdo tratado”.
  A observação foi toque importante. Sérgio se deu conta de que os repórteres esnobam os recursos que a língua oferece. Não por altivez. Mas por ignorar-lhes as manhas. Que tal uma dica sobre o assunto? Sugestão aceita.
  Mensagens ocultas
  Pra quem sabe ler, ponto é letra, diz o povo sabido. A recíproca é verdadeira. Quem sabe tirar partido das manhas da língua homenageia o leitor. Dá-lhe oportunidade de ir além de orações e períodos burocraticamente corretos. Desvenda-lhe o universo das nuanças.
  Às vezes diz que o enunciado é pra lá de importante. Abre-lhe as honras do travessão. Outras, considera a informação secundária. Esconde-a entre parênteses. A neutralidade também encontra respostas. Sua melhor representante é a discreta vírgula.
  Parênteses, o esconderijo
  Ao usar os parênteses, você dá um recado: a palavra, expressão ou oração neles contida é secundária, acessória. Entrou ali de carona. Não faz falta. É, em geral, uma explicação, uma circunstância incidental, uma reflexão, um comentário ou uma observação:
  Com a missão de sempre abrir (ou, muitas vezes, arrombar) portas cerradas, Abdias pintou…
A maioria dos aeroportos brasileiros não tem (quem diria) sistema de controle de bagagem.
No acidente com o avião da TAM (9 de junho) morreu uma pessoa.
  Como fica a pontuação?
  O ponto vai fora quando a expressão encerrada nos parênteses for um pedaço da oração:
  Com a missão de sempre abrir (ou, muitas vezes, arrombar) portas cerradas, Abdias pintou…
Ameaçam o abastecimento de água de Brasília os 48 mil lotes próximos à Barragem do Descoberto (muitos deles irregulares).
  O ponto vai dentro quando os parênteses englobam toda a oração:
As pessoas obsessivas fazem qualquer coisa para obter o que desejam. (Elas não sabem perder.)
  Travessão, o realce
  Os travessões jogam no time oposto ao dos parênteses. São os pavões da frase. A presença deles realça o recado. Compare:
  Com a missão de sempre abrir — ou, muitas vezes, arrombar — portas cerradas, Abdias pintou…
A maioria dos aeroportos brasileiros não tem — quem diria — sistema de controle de bagagem.
No acidente com o avião da TAM — 9 de junho— morreu uma pessoa.
  Dica: use, mas não abuse. Coloque apenas dois travessões no mesmo parágrafo. Mais que isso desorienta. Deixa o leitor confuso como cego em tiroteio.
  Virgula, a discreta
  A vírgula detesta os extremos. Prefere a coluna do meio. A presença dela não realça nem esconde. Mantém a neutralidade:
  Com a missão de sempre abrir, ou, muitas vezes, arrombar portas cerradas, Abdias pintou…
A maioria dos aeroportos brasileiros não tem, quem diria, sistema de controle de bagagem.
No acidente com o avião da TAM, em 9 de junho, morreu uma pessoa.
  Resumo da ópera
  A língua é um sistema de possibilidades. Nós escolhemos. Para acertar na opção, um requisito se impõe — conhecer a oferta.