Pérola legislativa

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‘‘O que é bom’’, diz o povo sabido, ‘‘anda devagar. O que é ruim se espalha rapidinho.’’ Vale o exemplo de Brasília. A Lei Distrital 3.112, de 2003, obrigou os elevadores a ostentar uma placa. Nela, os dizeres impostos pelos deputados: ‘‘Aviso aos usuários: antes de entrar no elevador, verifique se o mesmo encontra-se neste andar’’.
 


O texto provoca arrepios. Tem erros pra todos os gostos. Os candangos protestaram. Não queriam ver a aberração todos os dias à frente dos olhos. Não adiantou. Pior: o deputado Raimundo Santos, do Pará, copiou a idéia e a frase. Apresentou o projeto de lei que exige a fixação da tal advertência Brasil afora.
 
O projeto foi aprovado. Alguns síndicos bancaram os carneirinhos. Obedeceram. Outros protestaram. Sabiam que o patoá deseduca moradores e visitantes. Comissão encaminhou abaixo-assinado ao Congresso. Nele, explicou a deputados e senadores que a frase tem três erros. Dois de gramática. Um de lógica. E, como desgraça pouca é bobagem, não faltou falha de estilo. Vamos a eles.
 
Um
Mesmo
não tem função anafórica. Está proibido, pois, de substituir termo referido antes (elevador). Em lugar dele, o pronome ele pede passagem: Antes de entrar no elevador, verifique se ele encontra-se neste andar.
 
Dois
Se é conjunção subordinativa. Funciona como ímã. O pronome não resiste. Vai para antes do verbo: Antes de entrar no elevador, verifique se ele se encontra neste andar.
 
Três

Se o elevador não estiver no piso, como entrar nele? O vocábulo elevador sobra: Antes de entrar, verifique se o elevador se encontra neste andar.
 
Quatro

As palavras curtas são preferíveis às longas. Por duas razões. Uma: economizam espaço. A outra: lêem-se com mais rapidez. Levado a sério o princípio estilístico, temos: Antes de entrar, verifique se o elevador está neste andar.
 
Resumo da ópera

‘‘O imperador não está acima da gramática’’, disse Júlio César. ‘‘Nem os deputados’’, dizemos nós.
 
Por falar em mesmo…
Olho na norma culta. A poderosa rejeita o uso de o mesmo, a mesma, os mesmos, as mesmas para substituir pronome ou substantivo. Mande, pois, pras cucuias construções como estas:
 
A banca examinadora vai decidir como fará as revisões e como os peritos vão participar das mesmas.
 
Viu? Mesmas está em lugar de revisões. Mas o dissílabo não pode ocupar o lugar do nome. Melhor buscar saída:
 
A banca examinadora vai decidir como fará as revisões e como os peritos vão participar do processo.

 
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Os jurados prometem divulgar os resultados hoje. As candidatas, claro, estão loucas para conhecer a escolha dos mesmos.
 
Cruz-credo! Dos mesmos usurpa o lugar de dos juízes. Nada feito. Melhor: Os jurados prometem divulgar os resultados hoje. As candidatas, claro, estão loucas pra conhecer a preferência deles.
 
 
Quero saber…
Outro dia, Lula fazia o que mais gosta de fazer. Discursava. No meio da fala, usou uma palavra francesa. Gozador, caiu em si. “Imaginem”, disse ele, “eu, que dizia menas, agora falo francês”. Minha pergunta: por que há pessoas que dizem menas no lugar de menos?
 
Rogério Andrade, Niterói

 
Elas ignoram que menos é invariável. Não tem masculino, feminino,
singular ou plural. Preocupadas em acertar, dão-lhe um feminino. É a supercorreção. Xô!
***
Eu como traíra sem espinho? Ou traíra sem espinha?
 
Carmem Meck, Pelotas

 
Coma a traíra sem espinha. Bom proveito.
 
Fernando Pessoa alerta
 
“Nenhum livro para crianças deve ser escrito para crianças.”