Ter dúvidas é natural como o suceder do dia e da noite. Quem lê ou escreve acorda de sono linguístico. Desperto, sente-se provocado. E, como é gente de carne, osso e nervos, reage. Duvida de palavras. Questiona estruturas. Analisa a eficácia da mensagem. As respostas não são exclusividade desta ou daquela fonte. Dicionários, gramáticas, manuais de estilo, familiares, amigos podem aliviar o sufoco. Mas nem sempre tão preciosas criaturas estão pertinho, disponíveis.
O jeito? É dar um jeito. Um deles: apelar para o blog. As questões são pra lá de bem-vindas. Elas pautam o blogueiro, que lhes estende tapete vermelho e as recepciona com banda de música. Senhoras e senhores, com vocês, encucações que roubam o sono de grandões e pequeninos.
Dose multiplicada?
Eleições deixam todos de olho nos avanços e recuos dos candidatos. Os ibopes da vida ganham destaque porque fazem pesquisas. Ops! Levantamentos lidam com percentagens. “Como tratá-las?”, quer saber João Rafinha.
Com elas, todo o cuidado é pouco. Por questão de clareza, o sinal % aparece em dose dupla, tripla, quádrupla etc. e tal: Dilma ultrapassou Serra em 3% ou 4%. Os servidores pedem aumento variados: 10%, 11,5%, 18%. O índice de aprovação no concurso oscila entre 23% e 35%.
Olho vivo! O mesmo vale para as abreviaturas: No fim de semana, rodou de 240km a 300km. Estudo das 8h às 18h. Compre de 3kg a 5kg de batata. Ninguém sabe o preço exato da campanha. Os palpites começam nos R$ 2 milhões, passam pelos R$ 3,5 milhões e chegam aos R$ 5 milhões.
Vício antigo
Marcos Cobra vive com dor de ouvido. Compra que compra remédio pra otite. Mas os medicamentos estão pela hora da morte. E o dinheiro encurtou. “O problema”, diz ele, “não é da alçada do otorrino. Pertence ao universo da prosódia. Muita gente pronuncia o à como se fossem dois aa (vou a a praia). Pode estar certo. Mas maltrata os tímpanos”.
São manhas da escola antiga. No ditado, os professores pronunciavam dois aa para os alunos se darem conta da crase. Era um truque. Virou vício. Corra dele, Marcos! Corramos todos! Xô!
Que tal em casa?
“Uma coisa me intriga”, escreve o Moacyr Cunha Neto. “Qual a forma certa — entrega em domicílio ou a domicílio? Já fui repreendido por falar `a domicílio´, mas cartazes e anúncios de casas renomadas usam essa forma. E daí?”
Moacyr, recorra à analogia. Você emprega “entrega” em outros contextos, não? Entrega em escolas, em hospitais, em shoppings. Por que domicílio seria diferente? A polissílaba não goza de privilégios. Entregue em domicílio. Melhor: seja simples como as crianças. Entregue em casa.
Vez ou vezes?
Nelson é bancário e professor de finanças na universidade. Uma dúvida o atormenta há tempos. Ele explica: “Existe um índice da análise financeira que demonstra o número de vezes que um ativo foi transformado em receita. Quando o índice for, por exemplo, 1,86, como eu falo: 1,86 vez ou 1,86 vezes?
Vez joga no time de milhão, bilhão e aparentados. O nome concorda com o número que aparece antes da vírgula. Se for menos de 2, o singular pede passagem. A partir de 2, o plural: 1,86 vez, 3,12 vezes; 1,52 milhão, 10,13 milhões; 1,05 bilhão, 5,18 bilhões.