Pecados e pecadores

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Pecar é humano? É. Na lei de Deus, há pecados e pecados. Existem os leves. São os veniais. Enfraquecem a graça. Mas não a destroem. Existem os mortais. Deus nos proteja! Levam à danação da alma. Na língua, a coisa é parecida. Há os deslizes bobos. Só se notam na escrita.Na fala, passam despercebidos. São os erros de nível 1. Há os mais sérios.Comprometem o pecador na fala e na escrita. São os de nível 2. E há os gravíssimos. Esses, de nível 3, não têm perdão. Levam o transgressor às fogueirinhas do inferno. O pobre vai direto. Nem passa pelo purgatório.

Nível 1

Os tropeços bobos atacam as palavras. São os erros de dicionário. Têm a ver com a grafia dos vocábulos. É o caso da falta de letras (orta), troca de letras (carnavau), excesso de letras (mendingo), uso do hífen (sócio-econômico em vez de socioeconômico), acentuação gráfica (aquí). Veja exemplo:   Os mininos foram aô ospital.

Pronunciadas, as palavras parecem perfeitas. Lidas, a coisa muda de figura. Salta aos olhos o nível primário do autor. Ele deu três pontapés na língua. Um: trocou a letra de meninos. Dois: acentuou o coitado do ao. O último: engoliu o h de hospital.

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Quem freqüenta esse inferninho? A turma que tem pouca familiaridade com a língua escrita. É o caso dos recém-alfabetizados. Ou dos que leem pouco. Redenção? Há dois caminhos. O primeiro é penitência de curto prazo. Peça socorro ao dicionário. O paizão ajuda.

O outro aplica velha sabedoria popular: prevenir é o melhor remédio. Como? Leia. Livros, jornais, revistas ajudam a fixar a grafia das palavras. Você não precisa fazer força. As danadas colam na memória. De lá ninguém as tira.

Duvida? Então responda: por que você escreve ‘homem’ com h? Com certeza você não estudou a história da palavra. Você a viu muitas vezes. Fixou a cara dela. Aprendeu.

Nível 2

O segundo nível é mais sofisticado. Não tem a ver com a grafia das palavras. Mas com a combinação delas na frase. Trata-se da velha sintaxe. Entram nesse caldeirão os escorregões de concordância, regência, emprego dos pronomes. E por aí vai.

Veja:   Os menino foram o hospital.

Examine a frase segundo o nível um. As palavras estão certinhas. O problema reside na combinação delas. O autor do período cometeu dois pecados. Um, de concordância. Deixou pra lá o s de meninos. O outro, de regência. Privou o verbo ir da preposição. Quem vai vai a algum lugar. Aonde? Ao hospital.

Aí não adianta ir ao dicionário. Ele vai lhe dizer que está tudo certo. A salvação é outra. Estudar sintaxe. Em outras palavras: fazer as pazes com a gramática.

Nível 3

Arrepie-se:

Os meninos foram ao hospital. O supermercado estava lotado.

 E daí? No nível 1, tudo como manda o figurino. No 2, também. O pecado está mais embaixo. É questão de lógica. O texto não diz coisa com coisa. Parece o samba do crioulo doido. As frases não conversam entre si. O que o hospital tem a ver com o supermercado?

Vale um palpite. O autor engoliu um pedaço da informação:

Os meninos foram ao hospital. No caminho, passaram no supermercado para comprar frutas. Não compraram. O supermercado estava lotado.

Deslizes como esse não param por aí. Vão além. Às vezes um parágrafo ignora o outro. Outras, a introdução do texto não tem a ver com o desenvolvimento. Ou a conclusão fecha os olhos ao desenvolvimento. Você já participou de trabalhos em grupo? A turma, esperta, divide a tarefa. Um membro fica com a introdução. Outro, com o desenvolvimento. O último, com a conclusão. No dia marcado, cada um entrega a sua parte. Alguém junta tudo. Entrega ao professor a colcha de retalhos. Resultado: vão todos dar bom-dia ao capeta.

Você joga nesse time de pecadores? Aí, companheiro, a coisa é braba. Recorra a rezas e banhos de descarrego. Faça promessas. Examine textos bem-escritos. Dê uma lidinha em dois capítulos do livro Comunicação em prosa Moderna, de Othon Garcia: o primeiro e o terceiro. Sem preguiça.