Paulo José Cunha procura

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Querida Dad,

 
Olha eu de novo aqui, pedindo ajuda. Desta vez não é pra reclamar do desaparecimento de certas palavras (por falar nisso, de repente me bateu uma saudade danada do trema, aqueles dois olhinhos sapecas que gostavam de pousar suavemente sobre a letra “ü”, que eu nunca aprendi a usar, mas admirava e respeitava muito quem sabia). Pronto, perdi o fio da meada. Do que falava mesmo? Nem lembro mais. Também, quem manda ficar lembrando dessas antiguidades?
 
Por falar em verdade, a verdade é que escrevo pra pedir teus préstimos no sentido de conseguir um jeito de espantar de nossas vidas já tão sofridas umas manias que apareceram aí, foram ficando, ficaram e não vão embora nem com reza forte. Quer um exemplo? O verbo “conferir”. Outro dia, na CBN, ouvi a moça (uma voz linda-linda-linda, que me emocionou às lágrimas, juro. Pensei em pedi-la em casamento, mas desisti, pois esse negócio de casamento anda em baixa, não é mesmo? O negócio agora é ficar).

Mas a moça, tão simpática, com aquela voz de veludo (minhanossa!, que lugar-comum horrível! “Voz de veludo”, eu posso com um trem desses?), pois a moça usou em dois minutos pelo menos umas quatro vezes a palavra “conferir”. O diabo é que em nenhuma delas foi no sentido original, de conferir pra saber se está mesmo certo ou mesmo errado. Mas foi um tal de me mandar “conferir” a próxima reportagem; “conferir” a peça de teatro (vale a pena conferir, ela repetia, com aquela voz de amor ardente); conferir a notícia no saite tal e assim por diante.

Fiquei tonto, com tanta conferência, Dad querida. A moça simpática e de voz aveludada (Dad, será que se eu ligar pra CBN eles me passam o número do celular daquela moça? Adoraria conferir certos detalhes da anatomia dela). Meu Deus, já me perdi de novo, deixa ver onde é que estava. Ah. É isso: falava que foi tanta conferência que fiquei tonto.

Porque sou do tempo em que a gente conferia conta de botequim pra saber se o garçom não estava roubando; conferia o dinheiro que o bancário entregava quando íamos descontar um cheque (isso no tempo em que havia bancários e cheques, essas coisas que os livros de história registram pra que não se dissolvam na memória); conferia a conta de dividir, pra ver se não estava errada (ainda se fazem contas de dividir, Dad? Com esses celulares de hoje que até falam, acho que isso de conta de dividir é coisa muito, mas muito antiga).

Pois bem. Agora é um tal de mandar a gente conferir tudo e mais alguma coisa que a expressão “vale a pena conferir” virou ponto final de qualquer reportagem sobre teatro ou show de música. Pode conferir aí no teu rádio pra ver se estou mentindo.

 
Só pra finalizar, me ajuda aqui numa dúvida: a moça, aquela, da voz mal-intencionada (confere aí, Dad, se usei direito o diabo do hífen), disse que valia a pena conferir a peça do Teatro dos Bancários. Bem que venho tentando achar um jeito de conferir, mas como não assisti ainda à peça, não sei como conferir, pra saber se está igual à apresentação anterior. Porque um cheque de 50 reais corresponde a 50 reais em dinheiro, né?

Portanto, se o bancário (ainda existe algum aqui do lado de fora, ou foram todos morar dentro dos caixas eletrônicos?). Pois se o bancário me entregar o dinheiro e depois que eu conferir perceber que faltam 5 posso reclamar. Mas como é que se faz pra conferir uma peça de teatro? Diante de tantas dúvidas, tomei uma decisão drástica, querida Dad: não confiro mais nada, coisa alguma, xongas de longas: apenas assisto. Assisto a um filme, assisto a um show do Capital Inicial (Capital Inicial, oh, Deus, como estou velho!). Essas coisas.

 
Tenho assistido muito, Dad, e não me arrependo. Queria tanto assistir a uma peça de teatro na companhia daquela moça, depois sair pra conferir um jantar, depois a gente ia conferir a qualidade da pista ali perto do Núcleo Bandeirante… Hum! Cala-te, boca! 
 
Assistir é tão bom, Dad, você nem faz ideia. Assistir é tão legal, mas tão legal que nem precisa conferir. Juro por essa luz.
 
Um beijo deste eterno admirador.
 
Paulo José Cunha