Paulo é romântico incorrigível. Apaixona-se a torto e a direito. O objeto do fogo que arde sem se ver varia de aparência. Ora ela é loura. Ora, morena. Às vezes magra. Outras vezes, cheiinha. Há a de cabelos lisos. Vale, também, a de cabelos crespos. Afinal, o visível não é o que conta. A mágica reside no olhar. Ele olha pra ela. Ela olha pra ele. Aí, acontece. Ou não acontece. Quando o coração fala mais que a razão, cessa tudo que a musa antiga canta. Um amor alto se alevanta.
Ele se derrete em gentilezas. Telefona. Manda flores. Convida para jantares à luz de velas. Rodopia em pistas de dança como Marcelo Amorim e Carlinhos de Jesus. Declama poemas de Vinicius, Drummond, Bandeira, Quintana & companhia sedutora. E, claro, escreve cartas. Manda as missivas acompanhadas de rosas, orquídeas, chocolates e mimos afins.
Mas, apesar dos cuidados, as paqueras fracassam. Por quê? O galã não tem a resposta. Terça-feira é Dia dos Namorados. Só de pensar em perder a mais recente conquista, ele treme nas bases. Decide, então dar um jeito. Consulta gente do ramo. Chama Vinicius, Millôr, Vênus, Cupido, Oxum.
Diagnósticos
“Não há nada de errado”, responde Vinicius, cobra que nasceu criada. “O amor é infinito enquanto dura.” Millôr concorda. “Eterno no amor tem o mesmo sentido que permanente no cabelo”, ensina. Vênus, a deusa, esquiva-se: “O responsável é Cupido. Brincalhão, o garoto fecha os olhos e atira a seta envenenada. Sem alvo. Quem ele acerta? Pouco importa. Só o jogo lhe interessa”.
Cupido confessa. Há uma barreira entre as flechas do amor e as musas de Paulo. Mas, como vive longe, no Olimpo, lá no norte da Grécia a três mil metros de altura, não entende os amantes deste país tropical. “Mas que há uma barreira, há”, diagnostica certeiro.
“Concordo com Cupido”, diz a vaidosa Oxum, cheia de feitiços. A deusa da umbanda, conhecedora das manhas do amor desde os tempos em que vivia na África, põe o dedo na ferida: “A barreira é o verbo namorar. Ou melhor, a preposição que o obrigam a levar pra lá e pra cá. Ao perguntar `quer namorar comigo?´, Paulo dá chance ao azar”.
Namorar bem
O verbo namorar é livre como o vento. Quem namora namora alguém: Eu namoro Maria. Maria me namora. Paulo namora Maria. Maria o namora. Paulo quer namorar Joana. Joana também quer namorá-lo.
Namorar com? Valha-nos, Deus. É o passaporte pra separação. O com, no caso, tem dois papéis. Um: funciona como vela, coisa do século 18. O outro: atua como companhia. Um casal divide o ambiente com outro casal. Sem intimidade, o amor fenece como planta sem água.
Juntos para sempre
Paulo entende a lição. Sorri. Imagina o diálogo com a amada. Com voz rouca e sedutora, dirá:
— Eu gosto de você. Você gosta de mim. Que tal me namorar? O que eu mais quero é namorar você.
Ela não deixará por menos:
— Namorei Luís por duas semanas. Acabamos ontem. Se eu namorar você agora, vou misturar perfumes. Não seria bom dar um intervalo?
— Qual o quê! O amor tem pressa. Por que fazê-lo esperar? Toda hora é hora de viver um grande amor.
Amar é…
Paulo foi além. Desvendou um senhor mistério do vocabulário amoroso. Os verbos que fazem o encanto dos amantes têm uma marca. Como namorar, são transitivos diretos. Usam-se sem preposição. Desde então, Paulo paquera Maria. Maria o paquera. Paulo abraça Maria. Maria o abraça. Paulo beija Maria. Maria o beija. Viva! O amor é lindo.
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