Palavras levianas, ouvidos infiéis

Publicado em Geral


  Conhece o teste do telefone? Ele funciona mais ou menos assim. Um grupo de pessoas se senta ao lado uma da outra. A primeira lê uma história cheia de pormenores. A segunda, sem ler, cochicha a narrativa no ouvido do vizinho. A terceira faz o mesmo. E, assim, sucessivamente. O resultado é espantoso. O último texto não tem nem parentesco com o primeiro.
  Quer um exemplo? O presidente fez este pedido ao diretor:
  Na próxima sexta-feira, às 17h,o cometa Halley passará por esta área. Trata-se de um evento que ocorre a cada 78 anos. Assim, por favor, reúna os funcionários no pátio da fábrica, todos usando capacete de segurança, quando explicarei o fenômeno. Se chover, não veremos o raro espetáculo a olho nu.
O diretor, obediente, passou este recado ao gerente:
  A pedido do presidente, na sexta-feira, às 17h, o cometa Halley vai aparecer sobre a fábrica. Se chover, por favor, reúna os funcionários, todos com capacete, e os encaminhe ao refeitório, onde o raro fenômeno terá lugar, o que ocorre a cada 78 anos a olho nu.
  O gerente transmitiu esta informação ao supervisor: A convite do nosso querido presidente, o cientista Halley, de 78 anos, vai aparecer nu na fábrica, usando apenas capacete, quando vai explicar o fenômeno da chuva para os seguranças do pátio.
  O supervisor, por sua vez, mandou esta mensagem ao chefe: Todo mundo nu, na próxima sexta-feira, às 17h, pois o mandachuva do presidente, Sr. Halley, estará lá para mostrar o raro filme Dançando na chuva. Caso comece a chover mesmo, o que ocorre a cada 78 anos, por motivo de segurança coloque o capacete.
  O chefe não deixou por menos. Repassou o convite para os operários da empresa: Nesta sexta-feira, o presidente fará 78 anos. A festa será às 17h, no pátio da fábrica. Vão estar lá Bill Halley e seus Cometas. Todo mundo deve estar nu e de capacete. O espetáculo vai rolar mesmo que chova porque a banda é um fenômeno.
  Lições
  O teste ensina lições. Uma delas: as palavras, sobretudo as faladas, são pra lá de levianas. Traem. “A gente pensa que diz uma coisa, o ouvinte entende outra, e a coisa propriamente dita desconfia que não foi dita”, diria Mário Quintana. Confiar nelas é acreditar em Papai Noel. A saída? Escreva os recados. Mas seja safo. Tenha em mente que os vocábulos escritos não são 100% fiéis. Cabe a nós ajudá-los a manter-se na linha.
  Como? Lembre-se de que você escreve para as pessoas. São seres de carne, osso, sangue e nervos. Pegam ônibus, levam os filhos pra escola, brigam com o parceiro, sofrem pressão do chefe, recebem salário mais curto que o mês. Etc. Etc. Etc. Seu texto deve falar com elas.
  Dicas
  1. Seja natural: converse no papel. Imagine que o interlocutor esteja à sua frente, comendo um sanduíche e tomando um suco.
  2. Mantenha a objetividade: sem encher linguiça, vá direto ao assunto. Dê o recado.
  3. Respeite a concisão: diga o que deve ser dito com o número de palavras suficiente. Nem mais. Nem menos.
  4. Use frases curtas: Uma frase longa, ensinou Vinicius, não é nada mais que duas curtas. Na briga entre ponto, ponto e vírgula ou vírgula, dê a vez ao ponto. O leitor agradece.
  5. Faça perguntas diretas: em vez de dizer “gostaria de saber se você pode ir à reunião das sete”, indague: “Você pode ir à reunião das sete?”
  6. Prefira palavras curtas e simples: só ou somente? Só. Advogado ou causídico? Advogado. Casamento ou matrimônio? Casamento.
  Sobretudo, guarde isto: as pessoas não ouvem o que é dito. Ouvem o que querem. Entram, no caso, fatores pessoais como atenção, interesse, domínio do conteúdo.