Ou beber, ou dirigir

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DAD SQUARISI // dad.squarisi@correioweb.com.br
 
O assunto é um só. No trabalho, na escola ou em casa só se fala na lei seca. Tevês, rádios e jornais dedicam espaços generosos à bebedeira de motoristas. Não faltam cenas dramáticas de cadáveres no asfalto. Ou de famílias destroçadas com a perda de pai, mãe ou filhos sob as rodas de carros. Ou de corpos esmagados entre ferragens do que pouco antes era meio de transporte. Apesar das tragédias ao vivo e em cores, não faltam vozes lamurientas.
 
Reclamam sobretudo da privação da bebida. Sentem-se tolhidos na liberdade de tomar um chopinho no sábado à tarde, um vinho no jantar com o parceiro, um uisquinho na roda de amigos. “Até bombom com licor, ou a sobremesa de papaia com cassis, ou o uso de antisséptico bucal se tornaram crimes.” Sem falar no vexame de, apanhados, acabarem diante das câmeras ou atrás das grades. Empresários reforçam o coro carpideiro. Choram a redução da clientela, os estoques imobilizados, a queda no faturamento.
 
Criaturas tão zelosas dos direitos se esquecem de pormenor anterior a toda a argumentação apresentada. Ninguém está proibido de beber. Encharcar-se até cair na calçada é problema de cada um. Mas, se bebeu, não tem de tocar no volante. Donos de bares e restaurantes não têm do que reclamar. Os clientes poderão continuar a farra etílica sem constrangimentos.
 
Viver em sociedade implica limites. Hoje só podemos retirar R$ 100 do caixa eletrônico entre as 22h e as 6h. Já retiramos valores maiores. Países que tanto admiramos estabelecem barreiras rígidas entre o direito individual e o coletivo. Na Áustria, por exemplo, quem mora em apartamento tem de ficar de olho no relógio. Depois das 22h, não pode puxar a descarga, nem abrir a porta do elevador, nem subir e descer escadas calçado. O barulho perturba o sono do vizinho.
 
Em Washington, anfitrião que oferece álcool aos convidados é co-responsável pelo acidente do trânsito. Em Singapura, mascar chiclete dá cadeia. Aqui, beber é livre. Dirigir também. O proibido é adicionar as duas ações. Beber e dirigir? Não. A conjunção é outra — ou beber, ou dirigir.
 
(artigo publicado na pág. 22 do Correio Braziliense)