Os sete pecados dos numerais

Publicado em Geral, Pecados da língua


    Dizem por aí que o sete é o número preferido de Deus. Como a Skol, ele desce redondo. Daí o Senhor ter criado o mundo em sete dias, ter dado sete cores ao arco-íris, ter definido sete sacramentos, ter fixado sete pecados capitais, ter ditado sete virtudes, ter aberto sete chacras no corpo humano, ter dado sete vidas ao gato.
  Na Bíblia, o sete é grande vedete. Sete foram os pãezinhos que Jesus multiplicou pra dar comida à multidão. Depois do banquete, sobraram sete cestos cheinhos. Cristo expulsou sete demônios do corpo de Maria Madalena. Sete pessoas foram as únicas que se salvaram com Noé das águas do dilúvio. Sete é a metáfora do incontável:
  Pedro queria saber o limite do perdão. Aproximou-se de Cristo e perguntou:
  — Senhor, quantas vezes devo perdoar a meu irmão quando ele pecar contra mim? Até sete vezes?
Respondeu Jesus:
— Não te digo até sete vezes, mas até 70 vezes sete.
  Tão sagrada criatura pertence ao clã dos numerais. Tratar bem os membros da família agrada a Deus e aos homens. Mas nem todos são tementes ao Todo-Poderoso. Há os pecadores. Eis os atos que entristecem o Senhor e enchem o diabo de alegria.
  Zero à esquerda
  Zero à esquerda? É nulidade. Poupe tempo e espaço. Em datas, em vez de 05.04.2010, escreva 5.4.10 ou 5.4.2010. Viu? A informação não perde nada. A mesma economia vale para escrita de numerais em geral: Em vez de havia 02 pessoas na sala, fique com havia 2 pessoas na sala. Por quê? Você não diz havia zero duas pessoas na sala.
  Eu sozinho
  Catorze alterna com quatorze. Mas cinquenta é única. Xô, cincoenta!
  Bruxaria
  Os numerais são mágicos. Número determinado vira indeterminado. É o caso do “até 70 vezes 7” bíblico. Cristo não quis dizer 490 vezes, mas infinitas vezes. É o caso, também, do cardinal mil. Desde os começos da língua, ele se presta pra expressar indeterminação exagerada. Olho vivo. Ele não tem plural: Em abril, chuvas mil. Fez promessas mil durante a campanha. Apresentou propostas mil pra vender o produto.
  Primeirão
  Não caia no simplismo. O primeiro dia do mês tem privilégios. Só ele é ordinal. Os demais embarcam na canoa do cardinal: Primeiro de janeiro abre as portas do ano-novo. Os gregos não tinham o 1º dia do mês. Viajou no dia 2.
  Alergia
  Há numerais que sofrem de alergia. Um deles é dois. Ele não tolera o pronome todos. Todos os dois? Saia de perto. É espirro pra todos os lados. Diga os dois ou ambos.
  Outro é o ordinal. Com os números que indicam ordem, o hífen não tem vez. Escreva sem medo de errar: décimo primeiro, quinquagésimo quarto, milésimo trigésimo segundo.
  Sem pedigree
  Numeral pertence às espécies vira-las. Sem privilégios, concorda com o nome a que se refere (dois livros, duas cadeiras, trezentos carros, trezentas casas). Moleza? É. Mas muitos bobeiam. Dizem “trezentos e quarenta e uma declarações”. Ops! Fazem o trabalho pela metade. Como não existe meia gravidez, não existe meia concordância. Demos ao trezentos o que é do trezentos. Assim: trezentas e quarenta e uma declarações.
  Milhar, milhão & cia. são machinhos e não abrem. Os distraídos se esquecem do sexo da moçada. Quando seguidos de nome feminino, não dá outra. Travestem os coitados. Dizem “duas milhões de pessoas” ou “foram liberadas milhões de moedas”. Viu? É a receita do cruz-credo. Respeito é bom e a turma do milhão adora: dois milhões de pessoas, foram liberados milhões de moedas.
  Pegadinha
  A vírgula joga no time dos gozadores. Adora pegadinhas. Quando o desavisado cai na cilada, ela, morrendo de rir, sai cantando o tal enganei o bobo na casca do ovo. Contra a sabida, só há uma saída — a atenção plena. Concorde com o número que vem antes da vírgula: 1,2 milhão; 0,4 bilhão; 13,5 milhões.