Os sete pecados do pronome átono

Publicado em Geral, Pecados da língua


    Antigamente, quando o mundo usava fraldas, os astrônomos faziam o que fazem hoje. Namoravam o céu. Sem dispor dos instrumentos atuais, usavam os olhos pra discriminar os moradores celestes. Descobriram, então, que alguns se moviam. Outros se mantinham fixos. Contaram os caminhantes. Eram sete. Cinco receberam o nome de deuses da mitologia — Marte, Mercúrio, Júpiter, Vênus e Saturno. O Sol e a Terra eram velhos conhecidos.
  Os estudiosos foram além. Chamaram os paradões de astros e estrelas. Os passeadores ganharam um adjetivo. Viraram asteres planetai. Em bom português: estrelas errantes. O tempo passou. A lei do menor esforço entrou em cena. Asteres planetai tornaram-se planetas. O nome pegou.
  Na língua também existem criaturas errantes. São os pronomes átonos. Me, te, se, lhe, o, a adoram bater perna. Ora aparecem antes do verbo. Ora, depois. Há também os que se metem no meio. Mas, apesar da flexibilidade, muitos abusam. Cometem pecados. Sete se destacam.
 
Iniciar a frase com o fracote
  O pronome se chama átono porque é fraco. Tão fraco que precisa de apoio. Onde se encostar? Em outra palavra. Por isso, na norma culta, é proibido iniciar a frase com pronome átono. O pecador deixa a vítima desamparada. Ela tomba. Na queda, atropela a reputação do ímpio.
 
Ignorar a abrangência de iniciar
  Olho vivo! Iniciar a frase tem duas acepções. Uma é iniciar mesmo, ser a primeira palavra do período. Assim: Me dá um cigarro? Te telefono amanhã. Lhe deu a resposta ontem.
  A outra usa máscaras. Deixa, como na acepção anterior, o pronome desprotegido. Mas não inicia a frase. Em geral vem depois de vírgula. Compare: Aqui se fala português. ( O aqui ampara o pronome.) Aqui, fala-se português. (Ops! A vírgula impede o apoio.)
  Nem sempre a vírgula expulsa o pequenino para depois do verbo. Há casos em que ela separa termos intercalados. O apoio se distancia, mas permanece. Preste atenção na malandragem: Brasília se localiza no Planalto Central. Brasília, a capital do Brasil, se localiza no Planalto Central. (Mesmo de longe, Brasília ampara o pronome.)
 
  Desrespeitar a atração
  Há palavras que funcionam como ímãs. Puxam o pronome para junto de si. Lembra-se delas? Eis algumas: a gangue do qu (que, quem, quando, quanto, qual), a turma negativa (não, nunca, jamais, ninguém, nada), as senhoras conjunções subordinativas (como, porque, embora, se, conquanto): Quero que se retirem logo. Não me disse nada. Se me convidarem, irei.
 
  Bobear com o futuro
  Sabia? A terminação do futuro tem alergia ao pronome. Ambos, futuro do presente (irei) e futuro do pretérito (iria), ficam cheinhos de brotoejas diante do átono. A saída? Há duas.
  Uma: levar o pronome para antes do verbo. No caso, o pequenino tem de ter amparo: Maria me telefonará amanhã. Se pudesse, Lula, o presidente do Brasil, se manteria no Planalto.
  A outra: ficar no meio do caminho. Sem apoio e impedido de se colocar na rabeira do verbo, fica no meio do caminho. Como? Posiciona-se entre o infinitivo e a terminação do verbo. Veja: Telefonar-lhe-ei amanhã. Falar-se-iam mais tarde.
 
Esquecer a maquiagem
  Ops! Olho nos pronomes o e a. Antecedidos de r, s, z, viram lo, la: Vou pôr o livro na estante. (Vou pô-lo na estante.) Ajudamos os amigos. (Ajudamo-los.) Fez a filha feliz. (Fê-la feliz.)