O Supremo e a conciliação

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JOAQUIM FALCÃO Professor de direito da Fundação Getulio Vargas (FGV)  Terminou sem acordo a reunião proposta pelo ministro Luiz Fux para tentar chegar a um entendimento para extinguir o mandado de segurança em que Instituto de Advocacia Racial (Iara) pretende impor condições para a adoção de livros de Monteiro Lobato nas escolas públicas brasileiras. Após ter levado a questão à Secretaria de Políticas da Promoção da Igualdade Racial, que por sua vez levou o caso ao Conselho Nacional de Educação (CNE), o instituto pretende agora ter declarada inconstitucional a última decisão do conselho, que liberou a leitura de As caçadas de Pedrinho nas nossas escolas.

Como é de todos conhecido, o escritor Monteiro Lobato, nas obras do Sítio do Pica-Pau Amarelo, com seu personagem Tia Anastácia, é acusado de racismo, do uso de estereótipos, e assim feriria o artigo 5º, XLII, que diz que “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”.

A defesa do Conselho Nacional de Educação afirma que há um contexto de uma obra escrita em l933, e nega o racismo. Não se pode julgar o passado pelos valores do presente. Nem os artigos 220 e 206 de liberdade de expressão e de liberdade de ensino na Constituição permitem esse tipo de censura.

O ministro Luiz Fux realizou uma audiência de conciliação, e de lá saiu o acordo de que os dois lados teriam uma reunião nova, para acertar propostas práticas de políticas que implementem ações antirracistas nas escolas. A reunião foi realizada, sem resultado. Se até 5 de outubro não se conseguir acordo, o ministro terá que decidir o conflito intraconstitucional com seus colegas. Levará o caso ao plenário do Supremo Tribunal Federal.

O acordo não foi feito porque o Ministério da Educação e Cultura ofereceu como proposta uma nota explicativa nas edições futuras, contextualizando a obra, assim como já é feito com a questão ambiental. O instituto pediu mais. Pediu também que seja feito um acordo para aumentar a capacitação de professores na disciplina de relações étnico-raciais.

Ou seja, a questão já deixou de ser jurídica em sentido estrito, de constitucionalidade ou não do ato do Conselho Nacional de Educação. Passou a ser de conquistar uma política pública, digamos compensatória no presente, de concepções culturais do passado. E aí estamos não mais no âmbito do Poder Judiciário mas no âmbito do Poder Executivo.

Nesse sentido, o Supremo está sendo usado não para declarar a Constituição, mas como mecanismo de pressão numa negociação sobre políticas públicas. Será essa a função do Supremo?

A oportuna decisão do ministro Luiz Fux colocou a nu esse novo aspecto. Quanto mais negociação houver na sociedade entre seus atores relevantes, menos o Supremo será necessário. Essa tendência de negociação entre as partes, em vez de poder jurisdicional unilateral do juiz, é uma tendência a ser estimulada. Como vem sendo feito pelo próprio Fux, que este ano mediou um acordo entre Furnas e a Federação Nacional dos Urbanitários e o Ministério Público do Trabalho, resolvendo uma questão que se prolongava por mais de 20 anos.

A negociação e a conciliação tem sido promovidas também pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), devem ocorrer com intensidade nas instâncias inferiores e podem também ser usadas no próprio Supremo.

Os resultados líquidos desse procedimento, no entanto, são dois; e afetam profundamente o desenho institucional do Supremo. Primeiro, o torna cada vez mais presente, alguns diriam mesmo interferente na formulação de políticas públicas. O que aliás já foi exemplificado na decisão da Raposa Serra do Sol, em que o Supremo Tribunal Federal, com o ministro Carlos Alberto Direito à frente, desenhou uma verdadeira política pública para terras indígenas, estabelecendo condições e critérios para a ocupação da área.

O segundo resultado é um estímulo à politização intensa às portas do Supremo. A arguição de inconstitucionalidade não pode servir de estímulo a grupos insatisfeitos com gestões governamentais. Essa insatisfação deve se manifestar pelo voto e nas eleições.