A moda está na moda. O Rio Fashion abriu a temporada brasileira de outono e inverno. Começou com os desfiles da criançada. Menininhas sérias com cara de gente grande exibiram a grife Lilica Ripilica. Em seguida, a Sta. Ephigênia mostrou calças largas com cintura alta e tecidos molengos. São as velhas bags dos anos 80 com cara nova. O show ficou com Walter Rodrigues. O estilista abusou do preto. Misturou-o com roxo, marrom e rosa. Fez um desfile alegre, com gente como a gente. As manequins, cheinhas de corpo, encheram a passarela e os olhos dos presentes. Alegres, sorriam enquanto mostravam longos, curtos, decotados, comportados, opacos ou brilhantes. Grazi Massafera fez a festa. Exibiu peitos, braços, dentes e charme. Foi a dona da noite.
A ordem é o vale tudo. Ou quase tudo. Misturas exóticas se exibiram sem constrangimentos. Flores, listras, laços, superposições apareceram em sedas, cetins, veludos molhados. O conjunto tem um quê sensual e romântico. O abuso dos contrastes provocou duas reações. Uma: do público, que ora aplaudia, ora ficava paradinho como nas brincadeiras de estátua. A outra: dos comentaristas. Acostumados às palavras francesas e inglesas que imperam no mundo da moda, eles não vacilavam na pronúncia de top models, glamour, high-tech, charme, grife, look, frisson, out e in. Mas, ao se depararem com as pobres listas, pintou a dúvida. Listado ou listrado? Na pressa, uns chutaram uma forma. Outros, outra. Ambos acertaram. As duas convivem muito bem no dicionário e na língua afiada do povo.
Com as listas (ou listras) a alternativa era acertar ou acertar. O mesmo privilégio não atinge o tecido das roupas. “Blusa em seda”, “calça em veludo”, “xale em tricô”, informavam elegantes especialistas no assunto. Nada feito. Eles trocaram a preposição. A blusa (é feita) de seda. A calça, de veludo. O xale, de tricô.
Não só o tecido exige a preposição de. Construções semelhantes jogam na mesma equipe: Cadeira de couro, aliança de prata, mesa de madeira, escultura de cerâmica, boneca de louça, brinquedo de plástico, panela de alumínio, soldadinho de ferro, sapato de couro, pasta de plástico. E por aí vai.
“O português é uma língua muito difícil. Tanto é que calça é uma coisa que a gente bota e bota é uma coisa que a gente calça”, ensinou o Barão de Itararé.
As calças bags — soltas, largonas, em que se enfia o corpo lá dentro e sobra tecido pra dar e vender – revivem a moda de 30 anos atrás. Elas fizeram furor nos anos oitenta. O singular do numeral se explica. Escondidinha, está a expressão “da década de”: anos (da década de) sessenta, anos (da década de) cinquenta, anos (da década de) vinte.
Chegar às passarelas não é fácil. Tampouco é fácil sobressair em universo tão competitivo. Os estilistas, por isso, conjugam o verbo ousar. Surpreendem nas formas e no material. Globalizados, misturam os estilos pra misturar as culturas. A África está em alta. Com ela, o conceito afro, inspirado no livro África Fantasma, de Michel Leiris. A dissílaba deu nó nos miolos de comentaristas e repórteres. Eles se esqueceram de pormenor pra lá de repetido. Adjetivo, afro se flexiona como qualquer irmãozinho dele — concorda em gênero e número com o substantivo a que se refere: estilo afro, estilos afros; roupa afra, roupas afras.
Na formação de palavras, afro- entrou na reforma ortográfica. O danadinho joga no time dos prefixos. Com ele, vale a regra: os iguais se rejeitam, os diferentes se atraem. Afro- termina com a vogal o. Se encontrar a mesma vogal, xô! Chama o hífen. Se tropeçar em vogal ou consoante diferente, cola-se a ela sem pudor: afro-organização, afro-ótica, afroamericano, afroestética, afrodescendente, afrobrasileiro. Se o encontro se der com r ou s, ops! É importante manter a pronúncia. Dobra-se a letra: afrossistema, afrorrevista. O h? Com ele o hífen ganha banda de música e tapete vermelho: afro-humano, afro-hipocrisia, afro-histórico.