Cilene Rodrigues
Atenção jovens do Brasil! Se você sabe que Mimi Alford foi amante secreta do presidente John Kennedy e que, no fim de semana da morte de seu amante, Mimi ficou tão arrasada que decidiu contar tudo para o seu noivo, parabéns. Você é um bom candidato, ou candidata, não a um cargo de colunista da revista americana Vanity Fair, mas ao posto de consultor legislativo do Senado Federal brasileiro.
Se, além disso, você é bom de decoreba e lembra de memória o nome de todos diretores da Petrobras e sabe na ponta da língua a resposta para a pergunta número 20 da última prova da Fundação Getulio Vargas para a Consultoria do Senado (consultor de orçamento, 2008), você tem chances reais de se tornar em 2012 um consultor de pronunciamentos do Senado. O negócio é saber coisas inúteis, tomar memorex e praticar até caducar questões de provas passadas.
Inteligência? Estar antenado com os acontecimentos globais? Para que isso? Não se preocupe em fazer leituras pesadas. Concentre-se em decorar nomes e terminologias e trate de mentalizar o modelo de prova da instituição responsável pelo concurso.
Se você sabe verificar os passos argumentativos de um texto, conhece tudo sobre a primavera árabe, a histórica luta da Palestina pela independência, entende por que as nações atuais
devem criar modelos de desenvolvimento econômico que sejam compatíveis com a sustentabilidade ambiental, tem visão crítica de problemas seculares do Brasil, como falta planejamento urbano, precariedade do sistema de saúde e educação pública, falsa distribuição de renda, então esqueça o sonho de trabalhar no Congresso.
Com esse conhecimento todo, você pode ser professor universitário, mas nunca consultor legislativo do Senado. Contente-se com um salário inicial de no máximo R$ 8 mil pago nas universidades públicas. Faça as pazes com o fato de que você dará aulas em salas faltando giz, sem ar-condicionado no verão e que, às vezes, se inundam durante o período das chuvas. Dinheiro para pesquisa? Só se você for muito persistente.
O Brasil, tendo de pagar altos salários para funcionários do Legislativo, Executivo e Judiciário, não pode dedicar mais que 1% do PIB à pesquisa. Por isso, você não vai fazer sua pesquisa de graça. Você vai pagar do próprio bolso por ela. Fazer o quê? A pessoa que sabe quem foi Mimi Alford merece ganhar mais que você, concorda? Afinal, ela vai passar na prova da Fundação Getulio Vargas, você não.
Então, coloque uma pedra sobre o sonho de ganhar R$ 23 mil por mês, sem dedicação exclusiva, trabalhando em salinhas com ar-condicionado, carpete bonito no chão, cheias de gente becada. Isso não te pertence. Você sabe demais!
A prova da Fundação Getulio Vargas para consultor legislativo na área de pronunciamento do Senado Federal mostra abertamente a realidade brasileira: o país cresce e aparece economicamente, mas, quando o assunto é educação e desenvolvimento do conhecimento, contemplamos o futuro pelo espelho retrovisor e vamos de marcha a ré. O conteúdo de várias de perguntas é alarmante, prova concreta do nosso subsenvolvimento intelectual.
É tão descabível perguntar sobre Mimi Alford em prova para o cargo de consultor legislativo que resta-nos apenas a dúvida: seria esse concurso de cartas marcadas, feito para mimos e mimis de senadores e deputados? Isso ou estamos vivendo um verdadeiro apagão intelectual. Nossos senadores terão, a partir deste ano, a seu dispor, uma junta de especialista em Mimi Alford. Dessa junta sairão os discursos que as nossas crianças ouvirão na rádio e TV Senado ou estudarão na escola, perpetuando, assim, a cegueira atual.
Falando em crianças e escola, é preciso, diante da prova da FGV, rever nossas críticas ao método de ensino público. Nossas crianças, todas elas, têm o direito de se preparar bem para um concurso público e de se tornarem consultores do Legislativo. Então, decoreba massiva neles! Leituras? Só se for de revistas de fofocas. Nada mais. Hoje foi Mimi. Com o andar em retrocesso da nossa carruagem, em 20 anos, a bola da vez poderá ser uma das famigeradas Mônicas.