O dono e senhor da frase

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Eduardo Henrique de Almeida é médico. Profissional sério, tem extremo cuidado na prescrição de remédios e manejo de bisturis. O mesmo zelo ele aplica à língua. Usa as palavras com precisão cirúrgica. Mas nem todos têm essa atenção. Volta e meia pintam modas estranhas. Aparecem tímidas. Com o tempo, ganham força. Avançam como fogo morro acima e água morro abaixo. Ninguém segura.

Ele escreve: “Será que só a mim incomoda a nova mania de usar o verbo seguir, muitas vezes compondo com outro no gerúndio? O modismo se alastrou no meio jornalístico, sepultando os veteranos permanecer, continuar, persistir, manter e tantos outros. É um tal de seguir internado, seguir preso, seguir reunido, seguir engarrafado quando nada disso segue. Simplesmente não sai do lugar”.  

A bússola

Os verbos dão o recado. São o mapa que norteia o caminho da locomotiva-sujeito e dos vagões-predicados. Quando genéricos e vagos, deixam a frase sem vigor. É o caso referido pelo Eduardo. Analise estes enunciados, comuns em teses, dissertações, e-mails, reportagens:

Este trabalho tenta analisar as causas da violência doméstica. Nossa pesquisa busca conhecer a realidade dos meninos de rua. Esta tese pretende discutir o preconceito racial nas escolas. A presidente da República deve anunciar a nova política industrial. O cantor pode apresentar nova canção durante o espetáculo.

O que eles têm em comum? Usam mais de um verbo para dizer alguma coisa. O autor parece fugir da raia. Fala, mas fica em cima do muro. Que tal conjugar o verbo assumir? Assim: Este trabalho apontará as causas da violência doméstica. Nossa pesquisa revela a realidade dos meninos de rua. Esta tese analisa o preconceito racial nas escolas. O presidente da República anunciará a nova política industrial. O cantor apresentará nova canção durante o espetáculo.  

A escolha

Verbos têm peso, poder e vida. É preciso escolhê-los com cuidado. Afirmar é mais incisivo que contar. Gritar, mais agressivo que afirmar. Há 17 modos de ver: entrever, relancear, avistar, perceber, divisar, descortinar, notar, apreciar, assistir, espreitar, esquadrinhar, examinar, contemplar, testemunhar, vislumbrar, bisbilhotar, espiar.

E dizer? Existem pelo menos nove áreas semânticas de verbos úteis para substituir o onipresente dissílabo: declarar, interrogar, retrucar, negar, concordar, gritar, solicitar, aconselhar, mandar. Há, ainda, jeitos de dizer alguma coisa. É o caso de sussurrar, balbuciar, murmurar, berrar, rosnar.  

Desafio

Cabe ao autor descobrir a palavra certa para o lugar certo. Convenhamos: Trata-se de senhor desafio. A escolha faz a diferença. Um ou outro verbo altera o sentido da frase. Observe:

“As denúncias são requentadas”, disse o deputado. “As denúncias são requentadas”, insistiu o deputado. “As denúncias são requentadas”, alertou o deputado. “As denúncias são requentadas”, ironizou o deputado. “As denúncias são requentadas”, protestou o deputado. “As denúncias são requentadas”, mentiu o deputado.