“Tudo certo como dois e dois são cinco”
Caetano Veloso
O assunto é um só. Copa pra lá, Copa pra cá. Apostas não faltam. Nem coleção de figurinhas do evento. E o time? Muitos acham que a equipe pode trazer a taça. Outros duvidam. Mas, como a esperança é a última que morre, não arrefecem. Torcem. A língua lhes dá senhora ajuda porque põe o dedo na ferida. O xis da vitória: a coesão.
Texto e equipe
Imagine a situação. Com carta branca, Tite forma o time com os melhores jogadores do mundo. Todos do nível de Cristiano Ronaldo, Messi, Neymar. Confiante no talento individual, põe a equipe em campo antes de definir a posição e a movimentação de cada um pra atingir o objetivo. Qual? O gol, claro. Sem plano que as oriente, as criaturas não formam conjunto. E, claro, não se entendem. Correm sem rumo, chutam a esmo, estranham a bola. São 11 Pelés transformados em 11 patetas. O resultado? Fiasco nota 10.
A imagem vale para a redação. Belas ideias, belas palavras e belas frases não resultam necessariamente em bom texto. Pra chegar à unidade de composição, elas precisam se articular — entrosar-se com clareza, harmonia e coerência. Em bom português: as palavras têm de conversar pra formar períodos. Os períodos têm de conversar pra formar parágrafos. Os parágrafos têm de conversar pra formar o texto. O bate-papo tem nome. Chama-se coesão textual.
Coesão
“Socooooooooooooooooooooooooorro!”, gritam os concurseiros de Europa, França e Bahia. O motivo: perdem pontos a rodo num tal item chamado coesão. Eles procuram o assunto nas gramáticas. Não encontram. Celsos Cunhas, Becharas, Cegallas não dedicam nenhum capítulo ao tema. Por quê?
A razão é simples. Coesão está presente na morfologia, na sintaxe, nas figuras de linguagem. Ao estudar substantivos, verbos, pronomes, conjunções, preposições, coordenação, subordinação, etc. e tal, indiretamente estudamos coesão. Eles oferecem recursos pra ligar palavras, ligar períodos, ligar parágrafos. Em suma: juntar partes soltas em unidades coerentes.
Quer ver?
Anel e ouro são duas palavras que não se conhecem nem de elevador. Mas formam unidade com a ajuda da preposição de: anel de ouro.
Cozinho, estamos sem empregada.
Que relação existe entre enunciados assim independentes? A conjunção se encarrega de pôr os pontos nos ii. Ela pode indicar causa (cozinho porque estamos sem empregada). Pode indicar tempo (cozinho quando estamos sem empregada). Pode indicar duração (cozinho enquanto estamos sem empregada). Pode indicar condição (cozinho se estamos sem empregada).
Mais
Pronomes exercem duplo papel. Além de auxiliar a coesão, contribuem para a elegância. Como? Evitam repetições. Veja:
Rafael e João Marcelo são irmãos. Este estuda medicina; aquele, direito. (Este substitui João Marcelo; aquele, Rafael.)
Neymar foi pra a França há anos. Ele e a família se mudaram para Paris.
Repetição
Nem toda repetição é má. A estilística dá liga e charme ao texto. É o caso deste trecho:
A cultura do desperdício tem de ser desmontada por dentro. É preciso que os brasileiros não joguem fora restos de comida aproveitáveis nem deixem as lâmpadas acesas quando saem de um aposento. É preciso que os livros escolares sejam aproveitados pelos irmãos menores. É preciso não destruir os bens públicos. É preciso, enfim, martelar insistentemente na necessidade de poupar.
Viu? A repetição de “é preciso” não decorre de pobreza vocabular. O autor escolheu o recurso para enfatizar a necessidade de poupar. A locução introduz cada exemplo. O resultado é um só: deixa gravada a mensagem na cabeça do leitor. Oba!
Leitor pergunta
Pirata, na função de adjetivo, se flexiona?
Marcelo Santos, Viamão
Sim. No papel de adjetivo, pirata tem duas marcas. Uma: escreve-se sem hífen, A outra: flexiona-se no plural: rádio pirata, rádios piratas.