Nota fúnebre

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Machado de Assis, Eça de Queirós e Graciliano Ramos, José Saramago, Jorge Amado (in memoriam), Lígia Fagundes Telles, Millôr Fernandes, Roberto Pompeu de Toledo, Elio Gaspari, Luís Turiba, Sebastião Nery e todos os cultores da boa linguagem cumprem o doloroso dever de comunicar o falecimento do futuro do subjuntivo.

Vítima de abandono e maus-tratos, ele deixa a família verbal enlutada. Os amigos se unem nesse ato de piedade cultural e protestam contra tão prematura e insubstituível partida.

Não há escapatória, Se correr, o bicho pega. Se ficar, o bicho come. Os jornais esnobam essa forma verbal há algum tempo. A TV provoca um arrepio depois do outro. Os charmosos apresentadores dizem com a maior sem-cerimônia “quando ele pôr, se ele ver, assim que ele reter”.

Os produzidos personagens das novelas não ficam atrás. Erram todas. O futuro do subjuntivo está lá, confundido com o infinitivo.
“Afinal, o que aconteceu?”, perguntam os amigos. “Uma grande confusão”, reconhecem. O futuro morreu da insidiosa moléstia chamada semelhança.

O azar desse tempo, que, frise-se, sempre cumpriu suas obrigações a tempo e a hora, foi um só: ser parecido com o infinitivo (a forma que dá nome ao verbo: cantar, vender, partir). Os simplistas acham que ele é o filho do infinitivo (quando eu chegar, você chegar, nós chegarmos, eles chegarem). Mas o pai dele é outro. Não muito conhecido, mas o exame do DNA é categórico.

Está registrado em todas as gramáticas. É o pretérito perfeito do indicativo. Mais precisamente a 3ª pessoa do plural. Sem o -am final.

Quando eu pôr ou puser? Se eu vir ou ver? Se eu vier ou vir? Assim que ele reter ou retiver? Dúvidas. Dúvidas. Dúvidas. Qual a saída? Só há uma. Recorrer ao pai. Conjugar o verbo no pretérito perfeito, velho conhecido de todos. Depois, fixar-se só na 3ª pessoa do plural. Sem e -am final, temos o filho legítimo. Sem disfarces.

Quando ele pôr ou puser? Pretérito perfeito: eu pus, ele pôs, nós pusemos, eles puser(am).
Futuro do subjuntivo: quando eu puser, você puser, nós pusermos, vocês puserem.

Não há exceção. Que o digam os maltratados.

Se eu vir ou vier? O pai: eu vim, você veio, nós viemos, eles vier(am).
O filho: se eu vier, ele vier, nós viermos, eles vierem.

Assim que nós virmos ou vermos? O primitivo: eu vi, ele viu, nós virmos, eles vir(am).
O derivado: assim que eu vir, ele vir, nós virmos, eles virem.

Se eu reter ou retiver? Sem preguiça, conjuguemos o pretérito perfeito: eu retive, ele reteve, nós retivemos, eles retiver(am).
 O futuro do subjuntivo: se eu retiver, ele retiver, nós retivermos, eles retiverem.

Sabe quem está esperneando? É o trazer. Luta com todas as forças para não descer à sepultura. Não quer ser enterrado na vala comum dos deserdados. “Socorro!”, grita. “Trarei muita sorte a quem me salvar”. Inútil. Traga o que trouxer, ninguém o escuta. Descanse em paz.