DA
ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS SOBRE OS PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS SEGUIDOS NA ELABORAÇÃO DA 5ª EDIÇÃO DO VOLP, EM CONSONÂNCIA COM O QUE DISPÕE O NOVO ACORDO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA PORTUGUESA E A NOTA EXPLICATIVA QUE LHE SERVE DE ADENDO COMO ANEXO II, APROVADO EM LISBOA EM 1990
O sintético e enxuto texto oficial do novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa levou esta Comissão e sua Equipe de Lexicografia a procederem a minuciosa análise de suas Bases para que o numeroso repertório lexical que integra a a 5ª edição do VOLP correspondesse com rigor aos propósitos unificadores e simplificadores das delegações oficiais signatárias do supracitado texto.
Preliminarmente, cabe insistir no propósito de o novo Acordo Ortográfico proporcionar razoável simplificação no uso de sinais diacríticos auxiliares do sistema ortográfico, especialmente no emprego mais parcimonioso de acentos gráficos com função de diferenciação semântica e gramatical, como começara, no Brasil, nas alterações aprovadas em 1971, algumas das quais já correntes em Portugal, sancionadas pelo texto oficial de 1945.
Tais iniciativas devolviam ao contexto escrito –o que constituíra prática antiga no sistema ortográfico da língua portuguesa- a tarefa de desfazer possíveis duplicidades de interpretação motivadas pelas homografias entre palavras. O Acordo estendeu, por coerência, à participação elucidadora do contexto o mesmo papel de desfazer ambiguidades, quando propôs a supressão do hífen nas locuções de quaisquer naturezas, eliminando ainda, com a providência, para o homem comum, a razão, nem sempre ao seu alcance, de perceber artificialismos gráficos do tipo, por exemplo, do emprego de à toa ( sem hífen), quando locução adverbial (viajou à toa) de à-toa (com hífen), quando locução adjetiva (problema à-toa) , práticas então vigentes entre brasileiros.
As críticas que em Portugal se fizeram ao texto de 1986 e hão, em rigor, de prevalecer para o texto de 1990, pelas quais o excesso de homografias provocado também pela omissão do hífen nas locuções iria trazer dificuldades para o entendimento do homem comum, não têm fundamento nem lógico, nem histórico. Não têm fundamento lógico porque cresceu o número de homografias vocabulares quando o Acordo de 1945 suprimiu. em Portugal, o acento diferencial de formas como sede (ê) e sede (é) , o primeiro, verbo e substantivo;o segundo, substantivo. Ninguém veio à rua brigar, protestando contra a simplificação. E a medida deve ter agradado tanto, que em 1971 o Brasil a agasalhou, excluindo apenas os casos em que o acento agudo marcava a distinção entre vocábulos tônicos e vocábulos átonos, como pára, verbo, e para, preposição. Desapareceu, com isto, o fundamento histórico.
Se, desde o início da língua escrita portuguesa, aí pelos séculos XII ou XIII, até a época em que os ortógrafos do séc. XIX sistematizaram o emprego do acento diferencial, o contexto oral ou escrito, coadjuvado pela situação e pelos saberes que o utente opera em favor da perfeita comunicação linguística, cumpriu adequadamente ser papel desambiguizador das incômodas homografias, podemos ter a certeza de que os utentes do século XXI terão o poder de sagacidade para continuar dispensando tais artifícios diferenciadores num sistema ortográfico que se quer mais simples, coerente e científico.
Para viabilizar o rico repertório lexical desta 5ª edição do VOLP com o sintético e enxuto texto do Acordo de 1990, esta Comissão estabeleceu quatro princípios metodológicos que, pelo que se lhe afigura, garantem fiel compromisso aos propósitos dos signatários oficiais:
a) respeitar a lição do texto do Acordo;
b)- estabelecer uma linha de coerência do texto como um todo;
c) acompanhar o espírito simplificador do texto do Acordo.
d) preservar a tradição ortográfica refletida nos formulários e vocabulários oficiais anteriores, quando das omissões do texto do Acordo.
São as seguintes principais medidas tomadas por esta Comissão:
1)- Restabelecer o acento gráfico nos paroxítonos com os ditongos ei e oi
quando incluídos na regra geral dos terminados em –r: Méier, destróier, blêizer
2)- Restabelecer o acento circunflexo nos paroxítonos com o encontro ôo quando incluídos na regra geral dos terminados em –n: herôon
3)- Incluir na regra geral de acentuação os paroxítonos terminados em –om: iândom, rádom (variante de rádon)
4)- Incluir o emprego do acento gráfico na sequência ui de hiato, quando a vogal tônica for i , como na 1ª pessoal do singular do pretérito do indicativo: arguí
5)- Limitar as exceções de emprego do hífen às palavras explicitamente relacionadas no Acordo, admitindo apenas as formas derivadas e aquelas consagradas pela tradição ortográfica dos vocabulários oficiais, como passatempo
6)- Incluir no caso 1º da Base XV o emprego do hífen nos compostos formados com elementos repetidos, com ou sem alternância vocálica ou consonântica de formas onomatopeicas, por serem de natureza nominal, sem elemento de ligação, por constituírem unidade sintagmática e semântica e por manterem acento próprio, bem como as formas deles derivadas, conforme preceitua o texto oficial: blá-blá-blá, reco-reco, trouxe-mouxe, zigue-zaguear
7)- Incluir no caso 3º da Base XV, relativo às denominações botânicas e zoológicas, as formas designativas de espécies ou produtos afins e derivados, conformer prática da tradição ortográfica: azeite-de-dendê, bálsamo-do-canadá, água-de-coco
8)- Excluir do emprego do hífen as formas homógrafas de denominações botânicas e zoológicas que têm significações diferentes àquelas: bico de papagaio, “nariz adunco”, “saliência óssea”
9)- Excluir o prefixo co do caso 1º, a), da Base XVI por merecer do Acordo exceção especial na Obs. da letra b) da mesma Base XVI e por também poder ser incluído no caso 2º, letra b), da Base II (coabitar, coabilidade, etc.). Assim, por coerência, co-herdeiro passará a coerdeiro
10)- Incluir, por coerência e em atenção à tradição ortográfica, os prefixos re-, pre- e pro- à excepcionalidade do prefixo co- , referida na Obs. da letra b)- do caso 1º da Base XVI: reaver, reeleição, preencher, proótico.
11)- Registrar a duplicidade de formas quando não houver perda de fonema vocálico do 1º elemento e o elemento seguinte começar por h- , exceto os casos já consagrados , com eliminação desta letra: bi-hebdomadário e biebdomadário, carbo-hidrato e carboidrato, mas só cloridrato.
12)- Incluir entre as locuções, portanto não hifenadas, as unidades fraseológicas constitutivas de lexias nominalizadas do tipo de deus nos acuda, salve-se quem puder, faz de conta , etc.
13)- Excluir o emprego do hífen nas expressões latinas quando não aportuguesadas: ab ovo, ad immortalitatem, carpe diem, in octavo, mas
in-oitavo
14)- Excluir o emprego do hífen com o prefixo an- quando o 2º elemento começar por h- , letra que cai, à semelhança dos prefixos des- e in-:
anistórico, anepático . Na forma a- usa-se o hífen e não se elimina o h-
a-histórico
15)- Excluir o emprego do hífen nos casos em que as palavras não e quase funcionam como prefixos: não agressão, não fumante, quase delito, quase irmão
Está claro que, para atender a especiais situações de expressividade estilística com a utilização de recursos ortográficos, se pode recorrer ao emprego do hífen nestes e em todos os outros casos que o uso permitir. É recurso a que se socorrem muitas línguas. Deste não hifenado se serviram no alemão Fichte e Hegel para exercer importante função significativa nas respectivas terminologias filosóficas: nicht-sein e nicht-ich, de que outros idiomas europeus se apropriaram como calcos linguísticos. Não é, portanto, recurso para ser banalizado.
É evidente que tais propostas, sempre dimanadas de escrupulosa leitura e interpretação do texto do Acordo e de sua Nota Explicativa, estão sujeitas ao juízo crítico dos especialistas para sugestões e emendas que esta Comissão recolhe e agradece antecipada e cordialmente.