Mentirinha pra dar e vender

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Lula fazia o que mais gosta de fazer — viajar. Na segunda, estava na Espanha. Foi à terra de El Greco, Cervantes, Dalí e Picasso receber o Prêmio Dom Quixote. O governo de Madri lhe outorgou a láurea porque o Brasil tornou obrigatório o ensino do espanhol nas escolas brasileiras.
 
Terno azul-marinho, camisa branca e gravata vermelha, Sua Excelência fez a segunda coisa de que mais gosta — falar. Língua Solta, criticou as agências de risco. Elas rebaixaram o Brasil, mas mantiveram os Estados Unidos no patamar superior. Por quê? “Nós precisamos ficar atento”, disse ele. “Não temos nada a ver com a crise.”
 
Os presentes se entreolharam. Alguns esboçaram sorriso irônico. Outros arregalaram os olhos e abriram a boca surpresos. Sobraram comentários baixinhos. O pomo-da-discórdia: o adjetivo atentonão deveria estar no plural? A dúvida tirou o brilho da festa patrocinada por Sua Majestade Juan Carlos. Ele mesmo. O rei que mandou o presidente Hugo Chávez calar-se.
 
O enganador

 
“Nós precisamos ficar atento”, disse Lula. Atento tem de concordar com o sujeito — nós. Portanto, pede plural. Certo? Certo. Mas há um senão. Trata-se do plural singular. Uns o chamam de plural de modéstia; outros, plural majestático. No fundo, no fundo, ele não passa de um enganador. É singular, mas finge que não é.
 
A pessoa diz nós, mas quer dizer eu. Assim, como quem não quer aparecer. Antes, o recurso era usado por reis, papas, dignitários da igreja. Daí o nome majestático. Depois, baixou de status. Oradores passaram a socorrer-se dele como expediente retórico. Só pra impressionar.
 
 
Político freguês

 
Os fregueses mais fiéis do plural de modéstia? São os políticos. Eles adoram dizer que são o que não são. É o caso do candidato à reeleição que, no comício, declarou sem corar:
 
— Nós queremos ser bondoso e competente.
 
O povo pensou que o homem fosse analfabeto de pai e mãe. Talvez fosse. Mas, ali, usou o recurso legítimo da língua. O verbo concorda com o sujeito de fachada (nós), mas o adjetivo, que não é bobo, concorda com o sujeito verdadeiro (eu). Parece erro de concordância, mas não é. Em língua de gente sem falsidade, diríamos:
 
— Eu quero ser bondoso e competente (referência a uma pessoa).
 
— Nós queremos ser bondosos e competentes (referência a mais de uma pessoa).
 
 
Pseudomodéstica tucana
 
Fernando Henrique era louquinho pelo plural de modéstia. Transpirando vaidade e esbanjando sorrisos, repetia sem constrangimento:
 
— Nós somos presidente de todos os brasileiros.
 
Tradução: eu sou presidente de todos os brasileiros.
 
 
Resumo da ópera
 
Guarde isto: o plural de modéstia fica no muro — meio lá, meio cá. O verbo vai para o plural. Os substantivos e adjetivos ficam no singular.