Vamos combinar? Todos os anos deveriam ser eleitorais. Nos meses que antecedem a ida às urnas, cumpre-se o primeiro mandamento da democracia — o poder emana do povo. Os políticos fazem o que deveriam fazer sempre. O prefeito tapa buraco e recolhe lixo. O governador põe polícia nas ruas, constrói estradas, inaugura hospitais e centros de saúde. O presidente viaja.
Deputados e senadores deixam a preguiça pra lá. Arregaçam as mangas e abrem sacões de bondades. Entre elas, aumentam salário de aposentados e diminuem as exigências pro trabalhador vestir o pijama. São cortesias com o chapéu alheio. E o Projeto Ficha Limpa? Ops! Enganaram o povo na casca do ovo. Mudança de redação
“Mandato não é biombo para bandido. Político deve ter currículo, não folha corrida.” Certo? Certo. Mas os partidos ignoram o óbvio. Aceitam ladrões, homicidas, traficantes & cia. na lista de candidatos. Embalam-nos para presente em campanhas pra lá de sofisticadas. O eleitor compra o produto. Resultado: Congresso, câmaras, assembleias, palácios viram sucursal de Papudas, Catanduvas, Bangus 1, 2, 3, 4.
A sociedade decidiu agir. Apresentou o Projeto Ficha Limpa — com 1,7 milhão de assinaturas. Dois milhões de cidadãos aderiram depois pela internet. Objetivo: impedir que pessoas julgadas por tribunal se candidatem a cargo eletivo. Pressionada, a Câmara aprovou o texto. Chegou a vez do Senado. Suas Excelências reagiram. “A prioridade do povo não é prioridade do Senado”, disse o líder Romero Jucá. Mais tarde, voltou atrás. Os senadores aprovaram o Ficha Limpa. Os fichas sujas festejaram. Por quê? O verbo fez a mágica. Sem inocência
O texto da Câmara diz que são inelegíveis para qualquer cargo “os que tenham sido condenados”. O do Senado, “os que forem condenados”. Qual a diferença? Como diz o esquartejador, vamos por partes.
O verbo de “os que tenham sido condenados” está no pretérito perfeito composto. Os tempos compostos se referem sempre a ação passada. No caso, o falante se coloca no presente. E traz à tona fato ido e vivido. Veja: Ele espera que o Brasil tenha cumprido as metas. Você duvida que ele tenha feito o trabalho? Consta que ele tenha discutido com o superior hierárquico.
O 1º texto, “são inelegíveis os que tenham sido condenados”, o autor se põe no presente (são inelegíveis) e fala de fato que deveria ter ocorrido no passado (tenham sido condenados). A emenda
Em “são inelegíveis os que forem condenados”, recorre-se ao futuro do subjuntivo. O nome diz tudo: é porvir. A partir do presente, olha-se para o que pode ocorrer na frente.
Resumo da ópera: o Senado, ao passar a borracha no passado, promoveu anistia ampla, geral e irrestrita. Traiu o eleitor. Mas salvou os sujões.