Há quem divida os filhos de Deus em duas raças distintas. Uma: os que pedem emprestado. A outra: os que emprestam. Daí o destaque do verbo emprestar. Pensadores de Europa, França e Bahia falaram sobre ele. Alexandre Dumas Filho aconselhou: “Dê dinheiro, não empreste. Dar só faz ingratos. Emprestar faz inimigos”. Shakespeare foi atrás: “Não tomes por empréstimo e tampouco emprestes. O empréstimo nos faz perder dinheiro e amigo”. Simões Lopes Neto foi categórico: “Mulher, arma e cavalo de andar, nada de emprestar”. O povo, generoso, ensina: “Quem dá aos pobres empresta a Deus”.
É tanto emprestar e pedir emprestado, que o verbo provoca confusões e bate-bocas. Vale o exemplo de Elizandro Souza. Ele trabalha na TV Câmara. Zeloso do bom português, discutiu com colegas a regência de emprestar. A questão: o trissílabo pode ser empregado para quem cede e para quem recebe o benefício?
De volta ao passado
Elizandro lembrou uma historinha dos tempos da escola primária. O professor criou calo na língua de tanto repetir:
— Quem cede o empréstimo empresta. Quem recebe o empréstimo toma emprestado.
Um aluno maroto aproveitou a confusão dos colegas. Perguntou à mestra:
— Tia, posso emprestar o lápis?
Ela fez ouvidos moucos. Ele insistiu:
— Tia, posso emprestar o lápis?
Irritada, a senhora voltou à carga:
— Já repeti mil vezes que não é emprestar o lápis que se diz, mas tomar o lápis emprestado.
O garoto teve orgasmos íntimos. Mas não exibiu o prazer. Com cara séria, respondeu como quem não quer nada:
— O lápis é meu, professora.
Toma lá, dá cá
Quer acertar sempre? Então entre no time dos que dividem a espécie humana em duas raças — os que pedem emprestado e os que emprestam. Em outras palavras: só empresta quem cede. A pessoa beneficiada com o empréstimo pede, toma ou pega emprestado. Compare:
O banco emprestou R$ 3 mil a João Marcelo.
João Marcelo tomou emprestados R$ 3 mil ao banco.
Rafael emprestou o lápis ao colega.
O colega pegou emprestado o lápis a Rafael.
O diretor me emprestou R$ 100.
Pedi R$ 100 emprestados ao diretor.
Olho vivo
Reparou? A gente toma (pede, pega) emprestada alguma coisa a alguém (o “de” alguém pode gerar ambigüidade):
Compare:
Pedi emprestado o carro a meu pai. (Meu pai é a pessoa a quem pedi o carro.)
Pedi emprestado o carro do meu pai. (No caso, o carro é do pai.)
Tomou emprestados os livros ao professor de História. (O professor emprestou os livros.)
Tomou emprestados os livros do professor de História. (O professor é o dono dos livros.)
O galho do macaco
O verbo emprestar adora criar confusões. Com ele, todo cuidado é pouco. Abra os dois olhos e afine os dois ouvidos. Analise:
Pediu emprestada a bicicleta ao pai. (O pai é a pessoa que empresta a bicicleta.)
Pediu ao pai a bicicleta emprestada. (A bicicleta é emprestada.)
Resumo da ópera: escrever é mandar recado. Ler, entender o recado. Cabe ao emissor se fazer entender. Se não conseguir, responde pelo fracasso.