Mãe estressada

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    Que coisa! Todos os dias, era mais do mesmo. A mãe saía de casa lá pelas 7h. Deixava a filha de 6 meses na creche. Em seguida, levava a de 6 anos pra escola. Na quarta, ela mudou a rotina. A maiorzinha desembarcou primeiro. A outra dormia. Sem se lembrar da bebê, a mãe foi pro trabalho. Lá ficou até o meio-dia. Quando chegou ao estacionamento, ops! A criança estava no carro. Levaram-na pro hospital. Com queimaduras e dificuldade de respirar, a pequenina não resistiu. Foi pro céu.
  A tragédia virou notícia. Jornais, rádios e televisões divulgaram a fatalidade. Ouviram psicólogos e advogados. Houve coincidência de opiniões. O descuido se deveu ao estresse. A cabeça cheia apaga o que sai do script. Esquece. Pra comentar o fato, uma condição se impôs — respeitar a regência do verbo esquecer. O danadinho é versátil que só. Ora pede pronome, ora o dispensa. Ora exige preposição, ora abre mão da intermediária. É um desafio. Que tal enfrentá-lo?
 
Deixa pra lá
  “Esquece o passado”, diz o psicólogo à mãe desesperada. “Me esquece”, exige a namorada cansada da ciumeira do apaixonado. Com pronome ou sem pronome, o verbo mantém o significado básico — olvidar, sair da lembrança.
  Transitivo direto, esquecer dispensa o dezinho: Dizem que o brasileiro tem memória curta. Esquece tudo. O retirante não esquece a terra onde nasceu. João Marcelo, bom aluno, nunca esqueceu o dever de casa. Rafael jamais esquecerá os colegas da escolinha.
  Acompanhado do pronome reflexivo, esquecer pede companhia. Vem, dona preposição: Dizem que o brasileiro tem memória curta. Esquece-se de tudo. O retirante não se esquece da terra onde nasceu. João Marcelo, bom aluno, nunca se esqueceu do dever de casa. Rafael jamais se esquecerá dos colegas da escolinha.
 
  Por querer e sem querer
  “Foi sem querer”, diz a garotada pra se desculpar de malfeitos. No direito, o “sem querer” tem adjetivo específico. É culposo. A mãe que esqueceu a filha no carro cometeu homicídio culposo. Ela não teve a intenção de matar. Foi fatalidade. O contrário? É doloso. Quem planeja a morte de alguém comete homicídio doloso.   Também entra na categoria do “por querer” a pessoa que assume o risco de produzir a morte. É o caso de quem dá um tiro pro alto no meio da multidão. O tiro rouba a vida de um infeliz que não tinha nada a ver com a brincadeirinha. Embora o engraçadinho não tivesse a intenção de praticar homicídio, sabia que o disparo poderia atingir alguém. Vai pro xilindró. 
 
  Só coração
  O atestado de óbito constatou que a morte da bebezinha esquecida no carro se deveu a parada cardiorrespiratória. Cardio-, vale lembrar, não aceita hífen nem a pedido de Deus. Quando se encontra com r ou s, dobra as letrinhas pra manter a pronúncia: cardioesclerose, cardiograma, cardiorrenal, cardiossistema.
 
  Por falar em cardio-…
  Cardio- vem do grego kardía. Quer dizer coração. O nobre senhor aparece em montões de vocábulos. Entre eles, cardiologia (ramo da medicina que se ocupa das doenças do coração e dos vasos sanguíneos), cardiopatia (doença do coração), cardíaco (referente a coração), cardite (inflamação do coração). Ufa! 
 
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