Quem pode prestar atenção à leitura de 1.200 páginas? Nem Deus. As criaturas só conseguem ficar atentas por determinado tempo. Depois, precisam de pausa. Cheios de engenho, os ministros do Supremo Tribunal Federal decidiram ler os votos em etapas. “Será um julgamento fatiado”, explicaram. “À prestação.”
Os jornais correram atrás da novidade. Na hora de escrever, veio a dúvida. Com crase ou sem crase? Os repórteres não chegaram a acordo. Alguns escrevem à prestação. Outros, a prestação. E daí? Qual a forma nota 10? Sem certezas, a moçada consultou gramáticas. Lá estava a velha lição tão antiga quanto o rascunho da Bíblia. Encontro de iguais
A crase indica o casamento de dois aa. Em geral, preposição e artigo. Assim:
Dirigiu-se à piscina.
O primeiro a é exigido pelo verbo dirigir-se (quem se dirige se dirige a algum lugar). O segundo é o artigo pedido pelo substantivo cidade (a cidade). Pronto: a + a = à.
Na dúvida, apele para truque infalível. Substitua o substantivo feminino por masculino (não precisa ser sinônimo). Se no troca-troca aparecer ao, sinal de crase. Se não, o a fica solitário. Compare: Foi à cidade. Foi ao clube.
Chegou à faculdade quando anoiteceu. Chegou ao trabalho quando anoiteceu.
Dirigiu-se à diretoria. Dirigiu-se ao laboratório.
Refere-se a pessoas estranhas. Refere-se a trabalhos estranhos.
Encaminhou-se a uma recepcionista. Encaminhou-se a um recepcionista. Vaca fria
Voltemos à dúvida inicial. Votar a prestação? À prestação?
Nem sempre o acento resulta de crase (a + a). Às vezes, por questão de clareza, apela-se para a falsa crase. Usa-se à mesmo sem a contração dos dois aa. Vender à vista, por exemplo. Aí, não há crase. Quer ver? Vamos ao masculino: vender a prazo.
Por que o à? Para evitar mal-entendidos. Sem o acento, poder-se-ia entender que se quer vender a vista (o olho). O mesmo ocorre com bater à máquina. Sem a crase, parece que se deu pancada na máquina. Não é bem isso, convenhamos.
Em que casos o duplo sentido ocorre? Geralmente nas locuções que indicam meio e instrumento: Matou-o à bala. Feriram-se à faca. Está à venda. Escrever à tinta. Feito à mão. Enxotar à pedrada. Fechar à chave. Matar o inimigo à fome. Entrar à força. Andar à toa na vida. Superdica O acento é obrigatório? Ou só se deve recorrer a ele em caso de ambiguidade? Sem risco de duas interpretações, fica a gosto do freguês. Mas há forte preferência pela falsa crase. Use-a. Você acertará sempre.