Jaulas encavadas

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Al Martin

O Centro de Atendimento Juvenil Especializado do DF é conhecido pela sigla Caje. Por seu objetivo, classifica-se na categoria de tantas outras instituições brasileiras dedicadas à reinserção de adolescentes desorientados.

Todos esses centros são lugares tristes. Servem mais para descarregar a consciência da sociedade do que para os fins a que teoricamente se destinam. Sob o pretexto de reeducar adolescentes descaminhados, deixa-se cair um véu a isolar aqueles que atrapalham e a separá-los dos que seguiram outra trilha. O que os olhos não veem o coração não sente, não é mesmo?

Enfim, o problema é vasto e antigo. Se a sociedade, nos últimos séculos, não tem feito o necessário para dar assistência a seus membros mais frágeis, não há de ser de grande valia adotar siglas modernas e menos explícitas que os antigos estabelecimentos, a que dávamos o sinistro nome de reformatório. Será apenas uma mistificação. Uma a mais.

A sigla pela qual é conhecido o Centro de Atendimento do DF é, como já disse, Caje. Não fosse trágico, seria cômico. Em francês, o vocábulo cage, de pronúncia idêntica, quer dizer… jaula.

Sim, senhores, não há aqui ironia nem engodo: é a verdade cristalina. O vocábulo é antiquíssmo, oriundo de raiz indoeuropeia presente em diversas línguas modernas. Os latinos já tinham o adjetivo cavus, cujo feminimo, tomado substantivamente, designava um porão, uma escavação nos baixos da casa. Na falta de geladeira, podiam-se ali conservar frescos os mantimentos.

Os costumes evoluem e, com eles, as palavras e os atos relatados pela língua. Para isolar criminosos e indesejáveis, a sociedade teve a excelente ideia de jogá-los em cavas. No entanto, a falta de luz e o excesso de umidade encurtavam demasiado a esperança de vida dos infelizes.

Na Idade Média, como remédio a essa mortandade precoce, difundiu-se a moda de enfiar o prisioneiro numa jaula. Dotada de barras de ferro, permitia a circulação do ar, evitava o aparecimento de mofo e, assim mesmo, bloqueava a fuga do preso. O cubículo mudou, mas seu nome, na França, permaneceu o mesmo. Com a erosão da língua, a cava romana transformou-se em cage.

Entre nós, a cava latina criou filhos, netos e tetranetos. Cavar, cavidade, retroescavadeira, cova, côncavo, encovado, escavação, uma família numerosa. No fundo, são todas oriundas do mesmo buraco.

Etimologicamente, nossa Caje não tem a mesma origem da cage francesa. Mas cumprem ambas o mesmo destino. Neste País simbolizado pelo Cristo do Corcovado(*), a função de uma Caje é ser uma cage(*), uma espécie de coveiro(*) da sociedade.   (*) Cage, Corcovado e coveiro são cognatos da antiga cava.