Houaiss no banco dos réus

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Viver é perigoso? Guimarães Rosa dizia que sim. Ele não está sozinho. Muitos concordam. Não se referem só ao trânsito louco, aos amigos do alheio ou a balas perdidas. Citam a língua. Há pessoas tão atentas que nada lhes escapa. Com elas é assim: escreveu não leu, xilindró comeu.

A vítima mais recente é o Dicionário Houaiss. Nas edições anteriores à de 2009, o paizão bobeou no verbete cigano. Uma das acepções: “que ou aquele que trapaceia; velhaco; burlador”. Representante dos 600 mil ciganos que vivem no Brasil entrou na Justiça. Pediu a retirada de circulação da obra. Alegou discriminação à etnia cigana. O MPF considerou pertinente a representação e requereu à Justiça que a acolhesse.

E agora?

A edição atualizada cortou o trecho ofensivo. O que fazer com os volumes espalhados Brasil afora? Sei lá. Os empresários que encontrem saída. Nós, que não nascemos ontem, ponhamos a barba de molho. Fujamos dos vocábulos que ofendem ou reforçam preconceitos. Cor, idade, peso, altura, origem, condição social e preferências sexuais são os principais alvos. A sociedade está atenta. Ao menor descuido, lá vamos nós ver ver o sol nascer quadradinho. Valha-nos, Senhor!

Politicamente correto

As palavras carregam carga ideológica. Algumas mais, outras menos. Negro é raça. Nessa acepção, use o vocábulo sem pensar duas vezes. Pelé é negro. Não é escurinho, crioulo, negrinho, moreno, negrão ou de cor. Evite o adjetivo em expressões de conotação negativa. Em vez de nuvens negras, prefira nuvens pretas, escuras ou carregadas. Em lugar de lista negra, fique com lista dos maus pagadores. Apague denegrir de seu dicionário. Opte por comprometer. Quer indicar cor? O preto está às ordens.

Gordão? Nem pensar. Diga o peso (100kg, 120kg). Paraíba e cabeça-chata? É preconceito. Identifique o estado de origem com precisão (paraibano, pernambucano, cearense). Bicha, veado, sapatão? Xô! Escolha homossexual, gay, lésbica. Judiar? Lembra judeu. Maltratar dá o recado.

Sem exageros

Ser mais real do que o rei? Qual o quê! A informação exige termos precisos. Deficiente visual não é necessariamente cego. Deficiente auditivo não significa obrigatoriamente surdo. Dizer que alguém é cego, surdo ou surdo-mudo não ofende nem demonstra intolerância. Lance mão deles sempre que necessário. A regra vale para outros vocábulos.