É uma guerra de foice. De um lado, os inimigos da propaganda de cerveja. As peças são tão charmosas que incentivam o consumo do álcool. De outro, os partidários de Zeca Pagodinho & Juliana Paes. Eles querem faturar com a loura gelada. Que tal pôr lenha na fogueira? A campanha pode ir além — abarcar os medicamentos. Na tevê, astros e estrelas prometem milagres. Com um remédio, a enxaqueca desaparece. Com outro, o desânimo vai pro brejo. Mais um, adeus, quilinhos a mais. A impotência? Já era.
A generosidade é muita? O santo desconfia. Consumidor bobo nasceu morto. Os laboratórios sabem disso. Com medo do Procon, cercam-se de cautelas. No fim do mundo cor-de-rosa desenhado nas telinhas, o fabricante avisa que o deus não é tão poderoso quanto parece. Depois das imagens charmosas, pinta advertência rápida como alegria de pobre. Ora aparece “Ao persistirem os sintomas, consulte o médico”. Ora, “A persistirem os sintomas, consulte o médico”.
Ops! Instala-se a dúvida. As duas mensagens estão corretas? Os hipocondríacos torcem pelo sim. Com o aval, oba! Ampliarão o estoque da farmacinha de casa. Os adeptos da automedicação também vibram. Mais um remedinho dando sopa significa possibilidade de variar. Se um não der certo, o outro dará. O médico? Qual o quê! Mas…e a dúvida?
Diagnóstico
Relaxa, moçada. Ambas as frases merecem nota 10. Mas os recados são diferentes:
Ao persistirem os sintomas, consulte o médico.
A oração reduzida “ao persistirem os sintomas” indica tempo. Desenvolvida, seria escrita assim:
Quando persistirem os sintomas, consulte o médico.
Exemplos não faltam:
Ao sair, apague a luz. (Quando sair, apague a luz.)
Ao chegar, encontrou as gavetas abertas. (Quando chegou, encontrou as janelas abertas.)
Machucou-se ao cair. (Machucou-se quando caiu.)
A persistirem os sintomas, consulte o médico.
Ao substituir o ao, por a, os marqueteiros mudaram a mensagem. Em vez de tempo, transmitem a idéia de condição:
A persistirem os sintomas, consulte o médico. (Se persistirem os sintomas, consulte o médico.)
O mestre Machado de Assis recorreu à mesma estrutura: “Contava muita vez uma viagem que fizera à Europa e confessava que, a não sermos nós, já teria voltado para casa”. (Contava muita vez uma viagem que fizera à Europa e confessava que, se não fôssemos nós, já teria voltado para casa.)
Mais? Lá vai:
A continuar em queda livre, o dólar vai se encostar no real. (Se continuar em queda livre, o dólar vai se encostar no real.)
A desaparecer a causa, cessará o efeito. (Se desaparecer a causa, cessará o efeito.)
Olha as vírgulas
Reparou nas vírgulas? As orações que indicam tempo e condição são adverbiais. Elas têm um lugar na frase. São as lanterninhas. Vêm lá no fim. Mas as mocinhas são superativas. Mudam de lugar. A língua, generosa, aceita o vaivém. Mas cobra um preço. Quando as passeadeiras dão suas voltinhas, deixam marca. É a vírgula. O sinal denuncia: a oração se deslocou. Compare:
Consulte o médico ao persistirem os sintomas. (Ao persistirem os sintomas, consulte o médico.)
Feche a porta quando sair. (Quando sair, feche a porta.)
Chorou ao se despedir. (Ao se despedir, chorou.)
Consulte o médico a persistirem os sintomas. (A persistirem os sintomas, consulte o médico.)
Irei se puder. (Se puder, irei).
Dica estilística
No começo? No fim? Qual o melhor lugar? As orações adverbiais são acessórias. Se ficarem no fim do período, mantêm a insignificância. Se você quer destacá-las, dê-lhes uma colher de chá. Ponha-as na frente. Aí, elas crescem e aparecem.
Vem, dor
Hipocondríaco é o louco por remédio. Pra justificar a tara, a criatura inventa doenças a torto e a direito. Dá prejuízo ao plano de saúde, mas faz a festa de drogarias. Torna-se íntima de farmacêuticos e balconistas. Sente-se tão à vontade entre bulas, comprimidos, cápsulas e seringas que perde a cerimônia e pergunta ao vendedor: “Alguma novidade?”
O hipocondríaco não se conforma só com o conhecimento. Vai além. Automedica-se. Por isso sabe de cor o salteado as manhas do prefixo auto-. O dissílabo pede hífen quando seguido de vogal, h, r, s. No mais, é tudo coladinho: auto-ajuda, auto-retrato, auto-sugestão, auto-hipnose, autodidata, autoconhecimento.
Quero saber
Enzo Carlos está numa enrascada. Ao se apresentar, gosta de dizer o estado civil. Mas treme nas bases todas as vezes que abre a boca. Por quê? Não sabe se diz “estou solteiro” ou “sou solteiro”.
A dúvida lembra Eduardo Portela. Quando depôs na Câmara, o então ministro da Educação disse:
— Não sou ministro. Estou ministro.
Tradução: o cargo era transitório. Daí o estar que a gente usa em “estou com pressa”, “estou doente”, “estou feliz da vida”. Não é sempre — as 24 horas dos 365 dias do ano — que eu estou sem tempo, estou sem saúde, estou rindo de orelha a orelha. São todos estados passageiros. É diferente de quando dizemos “sou mulher”, “sou homem”, “sou calado”. O verbo ser indica estado permanente. Ou com larga duração.
O Enzo tem de decidir. Ao dizer “estou solteiro”, afirma que não era nem continuará dando sopa. Na primeira oportunidade, põe a aliança no anular. O “sou solteiro” joga em outro time. Diz que a criatura não mudará de estado civil tão cedo nem tão fácil.
O que consultar?
Você está revisando a dissertação de mestrado, a tese de doutorado, os originais que vão pra editora? Então precisa conhecer as normas técnicas. O livro Além da revisão, de Aristides Coelho Neto (Ed. Senac), dá uma senhora ajuda. Lá estão pormenores que contam pontos. É o caso de expressões latinas, indicação bibliográfica, notas de rodapé. Além das informações preciosas e o texto caprichado, o livro tem sofisticado projeto gráfico.
Ser determinado é…
Escrever todos os dias uma página. Pode ser sobre qualquer assunto: a receita do bolo, o comentário da novela, o sonho da noite, a conversa com o chefe, o artigo lido, o encontro inesperado, as tarefas do dia-a-dia. Depois, jogar no lixo. Em um mês, a cabeça e as mãos estarão desinibidas. O medo? Fará companhia aos papéis descartados. Já vai tarde.