A língua trai. Num piscar de olhos, trocamos letras, confundimos significados, ignoramos flexões, pisamos concordâncias, esnobamos regências. Pior: organizamos as palavras de tal forma que nossos frases transmitem recados diferentes dos que pretendemos. Dá-se, então, o que Mário Quintana explicou: “A gente pensa uma coisa, escreve outra, o leitor entende outra, e a coisa propriamente dita desconfia que não foi dita”.
É o caso da faixa exibida em frente a charmoso salão de beleza unissex. Ansiosa por aumentar a clientela, a proprietária anunciou: “Corto cabelo e pinto”. O resultado foi o contrário do esperado. Os homens sumiram. As mulheres rarearam. O que houve? Concretizaram-se as palavras do poeta gaúcho.
O xis da questão é o e. A conjunção liga classes iguais: substantivo + substantivo (Maria e Paulo), adjetivo + adjetivo (bonito e elegante), pronome + pronome (eu e ele), verbo + verbo (trabalho e estudo). Os clientes leram dois substantivos (cabelo + pinto). Já imaginou? Ninguém quis correr riscos. Os senhores protegeram o pênis. As mulheres foram solidárias.
A pobre comerciante se deu conta da cilada. Arrancou a faixa com a mensagem ambígua. No lugar, pendurou esta: Corto e pinto cabelo. Viva! O e, agora, liga dois verbos — cortar e pintar. Mesma esparrela
Propaganda divulgada na tevê caiu na esparrela. Em segundo plano, estão casais jovens mas com cara de poucos amigos. A voz do locutor alardeia: Tratamos homens com dificuldade de ereção e ajaculação precoce. Viu? O e faz o que tem de fazer. Adiciona jogadores do mesmo time: ereção + ejaculação precoce. Ambos completam dificuldade.
Ora, tratar a dificuldade de ereção? Viva! Mas tratar a dificuldade de ejaculação precoce? É tiro no pé. Melhor esclarecer as coisas: Tratamos homens com ejaculação precoce e dificuldade de ereção.