Os provérbios não têm certidão de nascimento. Sem pai e mãe, pertencem ao povo. Ensinam lições, fazem alertas, transmitem sabedoria. Simples, claros e enxutinhos, passam de boca em boca, de geração em geração. Todos os entendem. E os repetem.
É aí que mora o perigo. No passa-pra-frente, há quem se fixe na rima. Fica no som, sem se preocupar com o sentido. Dá outra forma ao enunciado. A novidade ganha adeptos. Falantes e mais falantes a divulgam. Confirma-se, assim, a conclusão de José Maria Alckmin. O mineiro sabido ensinou: “A versão, tantas vezes repetidas, vira fato”.
Mas o mundo é cheinho de pessoas curiosas. Interessadas, correm atrás do fato. Regina Ivete Lopes é uma delas. Ela descobriu o original de provérbios vítimas de deturpação. Mandou a lista para amigos. Lê-la é pra lá de divertido. Quer ver?
A batatinha
Batatinha quando nasce esparrama pelo chão.
Esparra o quê? Mesmo sem lógica, a criançada repete o verso em todas as festinhas da escola: Batatinha quando nasce / Esparrama pelo chão./ A menina que namora / Põe a mão no coração.
O original tem uma pequena diferença. Ei-lo:
Batatinha quando nasce espalha rama pelo chão.
O burro fujão
Cor de burro quando foge.
O fato? O quadrúpede mantém a cor mesmo quando pula a cerca. Na origem, o dito revelava esperteza. Dava asas às pernas:
Corro de burro quando foge.
Abre caminhos
Quem tem boca vai a Roma.
Por que o privilégio? Quem pergunta vai a Roma, Paris, Londres, Rio, Recife. Sem a deturpação, dá-se a César o que é de César. Eis a forma:
Quem tem boca vaia Roma.
Tal pai, tal filho
É a cara do pai escarrado e cuspido.
Deselegante, não? Tadinho do pai. Tadinho do filho. Melhor devolver o requinte do provérbio. O dito nasceu assim:
É a cara do pai em carrara esculpido.
Que salto de qualidade, hein? Carrara, melhor mármore do mundo, leva o nome de onde é extraído — a cidade italiana de Carrara, (O escultor Michelangelo só aceitava esculpir nesse material nobre.) Em suma: o provérbio é pra lá de gentil com os filhos. Eles são a cara o pai melhorada.
O caçador solitário
Quem não tem cão caça com gato.
Xiiiiiiiiiiiiiiiii, faltou um o. Sem ele, a comparação bateu asas e voou:
Quem não tem cão caça como gato.
Lógico, não? Sem cão, o caçador se vira como gato. Gato caça solitário.