Escrever certo pega bem

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Marina é médica. Profissional de primeiro time, estuda muito, participa de congressos internacionais e escreve artigos pra revistas especializadas. Lê com prazer jornais, revistas e tudo lhe cai nas mãos. Gosta de participar de salas de bate-papos. Em suma: é pessoa sintonizada com o mundo.
  Outro dia, prestou atenção à reforma ortográfica. Leu e releu a lei. Depois, concluiu: “Não vou fazer o menor esforço pra aprender as novas regras. Vivo muito bem com as que sei”. Mas, por via das dúvidas, consultou a coluna. “Eu posso ou não posso me comunicar bem sem eliminar tremas e acentos propostos pela Academia Brasileira de Letras?”
  A resposta: pode. A ortografia não é condição indispensável para a comunicação eficiente. Se alguém escreve casa com z, cachorro com x, coração sem til e bom-dia sem hífen, o leitor estranhará a grafia, mas entenderá o recado. Prova definitiva é a língua abreviadíssima usada nos chats da internet. Lá, porque vira pq; você, vc; beijo, bj; beijinho, bjn; obrigado, obg. Muita gente não gosta do que vê, mas entende. 
 
A prova de São Tomé
  Professor inglês gastava que gastava saliva pra convencer os alunos da real função da ortografia. A moçada não estava nem aí. As palavras entravam por um ouvido e saíam pelo outro. O mestre mandou, então, que os estudantes lessem este texto:
  35T3 P3QU3N0 T3XTO 53RV3 4P3N45 P4R4 M05TR4R COMO NO554 C4B3Ç4 CONS3GU3 F4Z3R CO1545 1MPR3551ON4ANT35! R3P4R3 N155O! NO COM3ÇO 35T4V4 M310 COMPL1C4DO, M45 N3ST4 L1NH4 SU4 M3NT3 V41 D3C1FR4NDO O CÓD1GO QU453 4UTOM4T1C4M3NT3, S3M PR3C1S4R P3N54R MU1TO, C3RTO? POD3 F1C4R B3M ORGULHO5O D155O! SU4 C4P4C1D4D3 M3R3C3! P4R4BÉN5!
  Viu? Moços e moças fixaram os olhos no parágrafo. Surpresa! Leram a mensagem numa boa. Melhor: entenderam tudo. Conclusão:
  De aorcdo com uma peqsiusa de uma uinrvesriddae ignlsea, não ipomtra em qaul odrem as Lteras de uma plravaa etãso, a úncia csioa iprotmatne é que a piremria e útmlia Lteras etejasm no lgaur crteo. O rseto pdoe ser uma bçguana ttaol, que vcoê anida pdoe ler sem pobrlmea. Itso é poqrue nós não lmeos cdaa Ltera isladoa, mas a plravaa cmoo um tdoo. 
 
O porquê
  Se a escrita correta não visa à comunicação, por que preocupar-se com a ortografia? A resposta é uma só. Pra viver em sociedade, nós firmamos pactos. Combinamos andar vestidos em público. Combinamos não arrotar à mesa. Combinamos não cuspir no chão. Combinamos dizer bom-dia quando encontramos pessoas pela manhã. Combinamos ceder o assento aos idosos nos transportes coletivos.
  Combinamos, também, escrever como manda o dicionário. O pai-de-todos-nós, com base em critérios etimológicos ou fonéticos, diz que hospital se escreve com h; pesquisa, com s; exceção, com ç. A razão: o português é língua de cultura. Como todas as línguas de cultura, tem a grafia oficial. Os lusófonos precisam conhecê-la. Escrever certo pega bem. Prova que a pessoa tem familiaridade com a língua escrita.
  A ortografia é convenção como tantas outras. Aprende-se aos poucos. À medida que temos contato com a escrita, cresce a intimidade como esses, zês, cedilhas & cia. letrada. A criança em fase de albabetização tropeça em letras e acentos. É natural. Com o tempo, domina o assunto. Por isso, quanto maior a escolaridade da pessoa, menor a tolerância social ao erro. 
 
O preço
  Vale o exemplo da linguista Lucília Garcez. Uma editora encomendou-lhe um livro de redação. Ela entregou os originais fora do prazo. O editor os devolveu. Junto, o bilhete: “Em razão do atrazo, a obra saiu do cronograma da editora”. A Lucília respirou aliviada. Depois, comentou: “Graças a Deus. Imagine meu livro nas mãos de uma editora que escreve atraso com z. Valha-me, Senhor!”.
  É isso. Quem anda pelado na rua vai pra cadeia. Quem arrota à mesa em público acaba a refeição sozinho. Quem cospe no chão é tachado de mal-educado. Quem escreve errado se apresenta como pessoa de poucas letras. Perde vaga na universidade. Perde promoção no trabalho. Perde pontos no concurso.