Duas estirpes

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Viu a capa da Veja? Ela chama a atenção. Nem tanto pelo assunto, mas pela língua. Ali estão dois pronomes que adoram nos pegar pelo pé. São os demonstrativos esse e este. Azeite, castanhas e salmão aparecem na parte superior da página. Logo abaixo, o texto: “Esses alimentos sempre foram liberados”. No meio, a manchete: “A redenção da gordura”. Em seguida, novo texto: “Agora a ciência da nutrição diz que estes também são saudáveis”. E mostra as imagens — chocolate, queijo amarelo, carne vermelha”. Hummmmmmmmm! Que tentação!   Vira-latas

Este e esses têm dois empregos vira-latas. Num, ficam de olho no lugar. Dizem se o objeto está perto de quem fala ou de quem ouve; de quem escreve ou de quem lê. Noutro, miram o tempo. Informam se a referência é ao presente ou ao passado. Quer ver?

Lugar

Maria tem o livro na mão. Mostra-o a Paulo e eles batem este papo: — Paulo, este livro é seu? — Não. Esse livro é da biblioteca.

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João escreve um e-mail para o gerente do banco. “Esse banco pode me fazer o empréstimo?”, pergunta ele. O outro responde: “Claro. Este banco existe para os clientes”.

Viu? Este indica que o objeto está perto do emissor — pessoa que fala ou escreve. Esse diz que está perto do receptor — quem escuta ou lê.   Tempo

A amada pergunta ao amado: — Quando vamos jantar fora? — Esta noite. — E a viagem à praia? — Esta semana talvez não dê. Nem este mês. Mas, com certeza, este ano iremos lá.

Reparou? As promessas se referem ao tempo presente — a noite, a semana, o mês e o ano em curso. Daí a presença do este.

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Uma semana depois, ela comenta: — Que coisa! O jantar não rolou até hoje. — Pois é. Naquela noite, tive de fazer plantão. Nesses outros dias, pintaram mil problemas. Mas desta noite não passa.

Olho vivo. Ele fala do passado. Ao dizer “naquela noite”, imagina um passado distante. Ao usar “nesses outros dias”, refere-se a passado mais próximo.   Sangue azul

O emprego do pronome na capa da revista pertence a outra estirpe. Não tem nada a ver com lugar nem tempo. Tem a ver com o texto:

Esse dá este recado: os alimentos foram referidos antes. O demonstrativo retoma a informação. É o caso, não? Azeite, castanhas e salmão vêm na frente. O esse vem atrás. Diz a que alimentos se refere — aos citados.

Este mira o porvir. Anuncia os alimentos liberados pela ciência. Só depois os mostra.   Mais exemplos:

Mário Quintana escreveu esta definição: “A mentira é a verdade que se esqueceu de acontecer”. “A mentira é a verdade que se esqueceu de acontecer.” Essa definição é de Mário Quintana.

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— Quem disse esse absurdo? — Eu não disse. O que eu disse foi este fato: “Vou sair mais cedo”.   Pra se lembrar sempre

Esse se refere ao passado. Daí os ss. Este trata do futuro. O t comprova a aliança.