DAD SQUARISI // dadsquarisi.df@@dabr.com.br
Os povos têm marcas. É o jeitinho que Deus lhes deu. O francês poupa dinheiro. O inglês confia no Times. O espanhol se fascina com a morte. O americano adora gravata colorida. O argentino dá aulas a Deus. O colombiano jura que todos têm seu preço. O árabe acredita no destino. O japonês fotografa. E o brasileiro? Nós adiamos.
Deixamos para amanhã o que podemos fazer hoje. Se possível, pra depois de amanhã. Ou pra semana que vem, pro mês que vem, pro ano que vem. Coerentes, criamos até o Dia de São Nunca. Enriquecemos a língua com a requintada arte de empurrar com a barriga. Adiar, procrastinar, protelar, transferir, prorrogar, delongar, esperar, postergar, recalcular dão nuances diferentes à mesma inclinação inelutável.
Não só. Há variações da nota: deixar pra depois, depois eu faço, dar tempo ao tempo, ganhar tempo, entregar a Deus, se Deus quiser, Deus é quem sabe, tudo tem seu tempo. Mais: o tempo é o melhor remédio, há tempo para tudo, nada melhor que um dia depois do outro, antes tarde do que nunca, devagar se vai ao longe, quem espera sempre alcança, os últimos serão os primeiros.
A burocracia inventou formas disfarçadas de procrastinar. Brasileiríssimas, são tão nossas quanto a feijoada ou a caipirinha. Camuflam. Enrolam. Falam sem dizer. “Levar a instância superior” é uma delas. “Deu entrada no protocolo”, outra. “Criar comissão” veste camisa do mesmo time. Se a comissão for “de alto nível”, esqueça. Se “de notáveis”, entregue a Deus e espere sentado.
Sentados podem esperar os fluminenses. Em 2004, o governo, assustado com o tsunami na Ásia, prometeu criar um sistema de alerta, capaz de prevenir tragédias como a de Niterói, Angra ou Teresópolis & vizinhança. O que fez? Formou comissão. Melhor: senhora comissão, composta de 22 membros. Dois anos e muitos debates depois, o grupo apresentou projeto-piloto. Custo: R$ 36 milhões.
Cadê? Ninguém sabe, ninguém viu. Agora, 700 e muitos cadáveres expostos, três cidades destruídas, milhares de desalojados e desabrigados, fala-se na criação de um requentado sistema nacional de alerta e prevenção de desastres naturais. Em quatro anos, ele estaria prontinho da silva. “Tanto tempo?”, perguntam os ingênuos. Esquecem-se de que amanhã vai ser outro dia.