Despedida do trema

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Estou indo embora. Não há mais lugar para mim. Eu sou o trema.Você pode nunca ter reparado em mim, mas eu estava sempre ali, na Anhangüera, nos aqüíferos, nas lingüiças e seus trocadilhos por mais de quatrocentos e  cinqüentas anos.

Mas os tempos mudaram. Inventaram uma tal de reforma ortográfica e eu simplesmente tô fora. Fui expulso pra sempre do dicionário. Seus ingratos! Isso é uma delinqüência de lingüistas grandiloqüentes!…

O resto dos pontos e o alfabeto não me deram o menor apoio… A letra U se disse aliviada porque vou finalmente sair de cima dela. Os dois pontos disse que sou um preguiçoso que trabalha deitado enquanto ele fica em pé. Até o cedilha foi a favor da minha expulsão, aquele C que fica se passando por S e nunca tem coragem de  iniciar uma palavra. E também tem aquele obeso do O e o anoréxico do I.

Desesperado, tentei chamar o ponto final pra trabalharmos juntos, fazendo um bico de reticências, mas ele negou, sempre encerrando logo todas as discussões. A
verdade é que estou fora de moda. Quem está na moda são os estrangeiros, é o K, o W “Kkk” pra cá, “www” pra lá.

Chega de argüição, mas estejam certos, seus moderninhos: haverá conseqüências! Chega de piadinhas dizendo que estou “tremendo” de medo. Tudo bem, vou-me embora da língua portuguesa. Foi bom enquanto durou. Vou para o alemão, lá eles adoram os tremas. E um dia vocês sentirão saudades. E não vão agüentar!…

Nos vemos nos livros antigos. Saio da língua para entrar na história.
 

Adeus,

Trema
 

(Colabora ção de Kátia Teles e muitos outros.)