DAD SQUARISI // dadsquarisi.df@@dabr.com.br
Sou imigrante. Saí do Líbano com 5 anos. A família — pai, mãe e duas irmãs — perambulou por Europa, França e Bahia. Sem endereço fixo, minha casa eram rodoviárias, estações de trem, portos e aeroportos. Ganhei grande intimidade com pensões, hotéis e pousadas. Convivi com línguas e sotaques como se fossem meus. Não escolhia comida. A refeição era a possível, não a desejada.
Chegamos ao Brasil. Seria uma estada rápida, como rápidas foram as demais. O sonho era retornar à terra dos cedros. Por isso minha mãe nunca desfez as malas. Na hora da partida, estaria tudo pronto. Era só tomar o caminho de volta. Aí aconteceu o nem sequer imaginado. Meu pai morreu. E a ficha caiu. Tínhamos de ficar neste país distante. Vivi no Rio, Porto Alegre e São Paulo.
Problemas de saúde me empurraram pra Brasília. A transferência pra UnB saiu sem estresse. Carona não faltava. Os carros paravam pra dar rodas a desconhecidos. Sem família, morava em pensionato. Sobravam convites de colegas e amigos para “uma comidinha lá em casa”. Eram bem-vindos. Pra quem come em bandejão, o arroz-feijão com tempero doméstico tem sabor de festa.
Diferente das centenárias Rio, São Paulo, Recife ou Porto Alegre, Brasília cresceu sem dono. Por isso recebe os que aqui chegam com a hospitalidade oriental. Reconhecidos, os migrantes deixam gauchês, piauiês, mineirês e outros eses pra lá. Adotam a fala sem marcas. Como o branco que engloba todas as cores, o falar neutro engloba todos os sotaques.
Aqui me casei, me formei, tive um filho. Fiz amigos. Há 10 anos me tornei cidadã honorária de Brasília. O título, sempre honroso, pra mim teve significado especial. De sem-cidade, passei à condição de com-cidade. Deixei de ser penetra. Mas a estabilidade não me cortou as asas dos pés. Viajar é vício exigente sempre satisfeito. Mas algo mudou. Na infância, o embarque deixava a cidade pra trás. Nunca tive vontade de voltar. Hoje tenho uma certeza: sair é bom, mas voltar é muiiiiiiiiiito melhor. Pra casa, pra Brasília.