De hifens e travessões

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Aviso aos navegantes: travessão não é hífen. Confundir os dois dá uma baita dor e cabeça. A gente pensa uma coisa. Sai outra. Mais ou menos o que se passou com o brasileiro em Portugal. “Vou à Espanha”, resolveu. Alugou um carro e ganhou o mundo. Chegou a uma encruzilhada. Qual a direção certa? O jeito era perguntar. “Companheiro, esta estrada vai para a Espanha?”, indagou. “Não sei”, respondeu o português. “Mas, se for, vai fazer muita falta.”
 
Com o hífen e o travessão, todo cuidado é pouco. O hífen (-) tem dois empregos: liga o pronome átono ao verbo (vende-se, põe-no); forma palavras compostas (beija-flor, pé-de-moleque).
 
O travessão (–­) é muito mais versátil. Como Bom Bril, tem mil e uma utilidades:
 
1. Introduz diálogos:
 
Imagino Irene entrando no céu
­ Licença, meu Branco?
E São Pedro, bonachão:
­ Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.
 
2. Junta palavras sem formar vocábulo novo (o hífen forma novo vocábulo): ponte Rio–Niterói, ligação Brasília–Goiânia, Fla–Flu, encontro Lula–Aécio, entendimentos PT–PSDB.
 
3. Separa as datas de nascimento e morte de uma pessoa: Recife, 1908 ­ Brasília, 1962.
 
4. Destaca um termo opaco, escondido. Dá realce ao sem-graça: Lula conseguiu ­ até ­ a adesão dos adversários.
 
5. Substitui os dois pontos (ao introduzir uma explicação) ou a vírgula:Eis o grande vencedor ­– o filme que faturou 300 milhões de dólares. (Eis o grande vencedor: o filme que faturou 300 milhões de dólares.) O partido não aceita ser mulher de malandro –­ apanhar na Câmara e no Senado. (O PFL não aceita ser mulher de malandro: apanhar na Câmara e no Senado.) O Estado do Rio –­ o mais afetado pelas chuvas ­ precisa de ajuda. (O Estado do Rio, o mais afetado pelas chuvas, precisa de ajuda.)
 
Travessão e vírgula
 
Usa-se travessão com vírgula? Só num caso. Se o segundo travessão coincidir com a vírgula: Depois da vitória da candidata –­ com mais de 50% dos votos –­, o padrinho sentiu-se forte como Tarzã.
 
Viu? Sem o travessão, só haveria a vírgula final: Depois da vitória da candidata — com mais de 50% dos votos –, o padrinho  sentiu-se forte como Tarzã.
 
Quando saiu de casa ­– lá pela meia-noite –­, deixou a família reunida.
(Quando saiu de casa lá pela meia noite, deixou a família reunida.)
 
Deu para entender? O casamento da vírgula com o travessão é raro como viúvo na praça. Não confunda. No caso em que podem aparecer duas vírgulas em vez dos dois travessões, a vírgula não tem vez:
 
Redigir –­ na definição do Aurélio –­ é escrever com ordem e método.
(Redigir, na definição do Aurélio, é escrever com ordem e método.)
 
Use. Mas não abuse. Coloque apenas dois travessões no mesmo parágrafo. Mais que isso desorienta. Deixa o leitor confuso como cego em tiroteio.