Na língua vigora a lei do menor esforço. Em outras palavras: na comunicação do dia a dia, a preguiça fala mais alto. A regra vale para os numerais. Os locutores de rádio e TV quase apagaram os ordinais do vocabulário. Em vez deles, empregam os cardinais. Há exemplos. Ao se referirem à colocação do time no campeonato, evitam dizer que ele é o décimo quinto no ranking. Preferem a forma “número 15”. No noticiário da guerra, não dá outra: “Aliados abrem caminho para a Brigada número 173”.
Explica-se a morte prematura dos ordinais. Se a emissora dissesse “o décimo quinto” ou “a centésima septuagésima terceira brigada”, enfrentaria dois problemas. Um: perda de preciosos segundos da programação. A outra: risco de não ser entendida. Como a língua é um conjunto de possibilidades, rádios e TVs mostraram que sabem das coisas. Escolhem o mais fácil e mais curto. É a forma que mais lhes convém. Palmas pra elas.
Mas a maioria dos mortais trabalha em escritórios, escolas, serviço público. Volta e meia, tem de escrever cartas, relatórios, e-mails. Tem, também, de falar os ordinais. Aí, só há uma saída: desvendar os mistérios dos danadinhos. Mãos à obra. Olha a cara deles
Lembra-se dos ordinais de um a um milhão? Sim? Então pule esta nota. Não? Dê uma espiadinha na lista. Mas vá por etapas.
De um a nove: um (primeiro), dois (segundo), três (terceiro), quatro (quarto), cinco (quinto), seis (sexto), sete (sétimo), oito (oitavo), nove (nono).
De 10 a 100: 10 (décimo), 20 (vigésimo), 30 (trigésimo), 40 (quadragésimo), 50 (quinquagésimo), 60 (sexagésimo), 70 (septuagésimo), 80 (octogésimo), 90 (nonagésimo), cem (centésimo).
De 200 a 1.000: 200 (ducentésimo), 300 (trecentésimo), 400 (quadringentésimo), 500 (quingentésimo), 600 (seiscentésimo ou sexcentésimo), 700 (septingentésimo), 800 (octingentésimo), 900 (nongentésimo), 1.000 (milésimo).
de 10 mil a 1 bilhão: 10 dez mil (dez milésimos), 100 mil (cem milésimos), 1 milhão (milionésimo), 1 bilhão (bilionésimo).
Exagerados
Os ordinais têm uma marca. Cultivam a mania de grandeza. Ao escrevê-los, todos os algarismos ganham forma ordinal:123º (centésimo vigésimo terceiro), 1512º (milésimo quingentésimo décimo segundo), 454º (quadringentésimo quinquagésimo quarto). Alérgicos
Os donos da ordem sofrem de mal incurável. São alérgicos a hífen. Pra lá de sensíveis, não aceitam o tracinho nem em troca de joia da H. Stern: décimo primeiro, octogésimo novo, ducentésimo trigésimo oitavo. Dependentes
Os locutores se safam do ordinal porque lhe trocam o lugar. Ao dizerem “O time é o número 15”, o 15 vem depois do substantivo número. Aí, não há erro. Quando o numeral vem depois do substantivo, o cardinal ganha o trono: O assento dele é o número) 225. Maníacos
Cada louco tem sua mania. Os numerais não fogem à regra. Se vêm na frente do substantivo, só os ordinais têm vez: décimo século, terceiro ato, sexto canto, vigésimo século, décimo primeiro capítulo, décimo quinto tomo. Privilegiados
Se vêm depois, entram os privilégios. Na língua como na vida, alguns são mais iguais perante a lei. Na designação de papas e soberanos bem como na de séculos e partes em que se divide uma obra, usam-se os ordinais até décimo. Daí por diante, o cardinal pinta glorioso: Gregório VII (sétimo), século X (décimo), ato II (segundo), canto VI (sexto), João XXIII (vinte e três), Luís XIV (quatorze), capítulo XI (onze). Mais privilegiados
Olho vivo! Na numeração de artigos de leis, decretos e portarias, há uma diferença. Usa-se o ordinal até nove e o cardinal de 10 em diante: artigo 1º, artigo 9º, artigo 10, artigo 41. Primeiro de abril
Que dia foi ontem? Primeiro de abril. Em que data se comemora o Dia do Trabalho? Primeiro de maio. É isso. Nas referências aos dias do mês, o primeiro dia é ordinal. Os demais, cardinais (2 de abril).
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