Tempos atrás caíram as vendas do Café Export. Foi um deus-nos-acuda. “O que aconteceu?”, perguntavam-se todos. A empresa havia feito uma cara campanha publicitária. A propaganda invadiu as ruas. Havia outdoors por todos os lados. Os anúncios concentraram-se nas proximidades dos supermercados.
O cliente, ao ir às compras, batia os olhos no texto: “Café Export.O gosto que eu gosto”. Aí a porca torcia o rabo. Os consumidores paravam diante da frase. Algo soava mal. Nem todos identificavam a falha. Mas achavam melhor não arriscar. Partiam pra outra marca.
Resultado: a campanha fez água. Degringolou. A culpa? É da preposição sim, senhor. Trata-se do emprego do pronome relativo. Mais precisamente: do pronome relativo antecedido de preposição. O danado é espinho no pé de muita gente. A razão: os relativos detestam repetições. Elegantíssimos, dão grande ajuda a quem escreve. Substituem o termo repetido.
Comprei o remédio. O remédio se chama Luftal.
Feio, não? O termo dose dupla é remédio. Para não escrevê -lo duas vezes, o relativo entra em ação:
Comprei o remédio que se chama Luftal.
Mais exemplos:
Moro na cidade. Você conhece a cidade.
O termo repetido é cidade. Azar dele. Está condenado à substituição: Moro na cidade que você conhece.
Íris era irmã do governador. Íris morreu num acidente de helicóptero. (Íris, que morreu num acidente de helicóptero, era irmã do governador.)
A cidade se chama Recife. Moro em Recife. (A cidade onde moro se chama Recife.)
O autor trabalha em João Pessoa. A obra do autor foi premiada.(O autor cuja obra foi premiada trabalha em João P essoa).
Companhia
E a preposição? Ela só aparece quando o verbo pedir companhia. Ou seja, pedir preposição. É o caso de gostar (de), obedecer (a), falar (de), lutar (por). Se o termo repetido estiver antecedido de preposição, abra o olho. O pronome não a substitui. A preposição fica no lugarzinho dela — antes do relativo.
O livro se chama Vidas Secas. Gosto do livro. (O livro de que gosto se chama Vidas Secas.)
Este é o regulamento. Obedeço ao regulamento. (Este é o regulamento a que obedeço.)
A pessoa mora no Rio. Falei da pessoa. (A pessoa de que falei mora no Rio.)
Os trabalhadores lutam por empregos. Os empregos estão desaparecendo. (Os empregos por que os trabalhadores lutam estão desaparecendo.)
A cidade ficou alagada. Vim da cidade. (A cidade de onde vim ficou alagada.)
O café de que gosto
Foi essa a lição que o publicitário do Café Export não aprendeu. Desmembrada, a frase ficaria assim:
Café Export (tem) o gosto. Eu gosto do gosto. (Café Export tem o gosto de que eu gosto. Café Export. O gosto de que eu gosto.)
Reparou? Gosto é o termo repetido. O pronome relativo o substituiu. E a preposição de? O anúncio a engoliu. Ai, indigestão!