“Eu tenho vergonha do meu país, aonde existe cadastro de carros roubados e não existe de pessoas desaparecidas.” Com a frase, a tevê anuncia reportagem pra lá de explosiva. Chama-se Dossiê Desaparecidos. Homens, mulheres e crianças somem. Como fumaça, desmancham no ar. Ninguém sabe. Ninguém viu.
A chamada atrai telespectadores. Mas causa estranheza. A pulga atrás da orelha não tem a ver com o tema. Relaciona-se à língua. Mais precisamente ao emprego do aonde. O trissílabo tem vez na frase? Não. O pronome rouba com frequência o lugar do onde. Ninguém sabe por quê. O crime de leso-lugar contraria a lei do menor esforço que impera no português nosso de todos os dias. Por comodismo, preferimos o menor ao maior. Cada macaco no seu galho
Onde ou aonde? Em geral onde. Aonde só ganha banda de música e tapete vermelho se preencher uma condição — acompanhar verbos de movimento que exijem a preposição a. É o caso de ir e dirigir-se. Ambos são adversários do sedentarismo e pedem o azinho:
Quem vai vai a algum lugar: Dilma Rousseff vai a Copenhague. Aonde Dilma Rousseff vai? Gostaria de saber aonde Dilma Rousseff vai. Você sabe aonde Dilma Roussef vai?
Quem se dirige se dirige a algum lugar: Rafael se dirigiu à secretaria. Aonde Rafael se dirigiu? Descubra aonde Rafael se dirigiu. Será que ele sabe aonde Rafael se dirigiu? Olho vivo!
O aonde só tem vez se preencher as duas condições. Uma só não vale. Veja o exemplo de assistir. Quem assiste assiste a uma coisa. O trissílabo pede o a. Mas não indica movimento. Xô, aonde! Vem, onde: Onde você assistiu ao programa? Queria que me informasse onde você assistiu ao programa. Você descobriu onde ele assistiu ao programa?
Andar indica movimento. Mas não aceita a preposição a. Quem anda anda por algum lugar: Por onde você andou? Pode me dizer por onde você andou? Exijo que me diga por onde você andou. Por que você se recusa a informar por onde andou? Vítima preferencial
Estar e morar são vítimas preferenciais dos impiedosos falantes. Eles não indicam movimento nem exigem a preposição a. Mas obrigam-nos a carregar o aonde. A torto e a direito a gente escuta “Aonde você está?” “Aonde você mora?” É a receita do cruz-credo. Para não aviá-la, seja esperto. Dê a vez ao onde: Onde você está? Onde você mora? Esteja onde estiver, lembre-se do recado.