Primeiro foi José Alencar. “Luto contra um câncer”, disse com todas as letras o vice-presidente da República. Depois foi Glória Peres. “Faço tratamento contra câncer linfático”, declarou a autora de Caminho das Índias. Por fim, foi a vez de Dilma Rousseff. “O câncer que me ataca tem cura”, afirmou a chefe da Casa Civil do Planalto. Viva! Antes palavra assustadora, câncer ganhou bocas e manchetes. Ninguém mais recorre a eufemismos pra evitar o nome da doença.
Eufemismo é isto: adocicamento do termo. A palavra que dá nome aos bois às vezes choca, causa dor, ou provoca imagens desagradáveis. A saída? Apelar para outra, mais branda. Câncer virou duas letras — C.A. Manuel Bandeira chamou a morte de “a indesejada das gentes”. Bill Clinton usou “relações impróprias” em vez de relações sexuais. Os brasileiros dão mil jeitinhos pra fugir do vocábulo diabo. Demo, bicho, anjo rebelde, anhangá, beiçudo, canhoto, cão, coisa ruim, coxo dão um só recado: vade retro, satanás.
É isso. Muitos atribuem poder mágico às palavras. Pensam que basta pronunciá-las pra atrair o ser indesejado. Daí as artimanhas de mantê-lo pra lá. É a tal história. Não acredito em bruxas, mas…
Herança de Hércules
Em latim, câncer quer dizer caranguejo. Por isso o bichinho aparece em todos os horóscopos. É o quarto signo do zodíaco. Vem depois de Áries, Touro e Gêmeos. O prestígio tem tudo a ver com Hércules. O herói foi desafiado a fazer doze trabalhos pra lá de arriscados. Num deles, enfrentou a Hidra de Lerna. O monstro era um dragão com nove cabeças de serpente. Pra vencer a fera, ele tinha que cortar todas elas.
Era missão quase impossível. As cabeças pareciam mágicas. Mal ele decepava o pescoço de uma, a danada renascia firme e forte. E daí? Hércules era Hércules. Sabido, bolou um plano. Queimava com uma tocha os pescoços cortados. Eles não voltavam à vida. Juno, inimiga do herói, quis atrapalhar a vida dele. Mandou um caranguejo morder o valentão. Hércules, quando sentiu as dentadas, esmagou-o com os pés. Juno, com pena do animalzinho, recolheu os pedaços espalhados pelo chão. Com eles, formou a constelação de Câncer. Ela está no céu até hoje.