Bill Gates se aposenta

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Bill Gates deixou a Microsoft. O fato virou manchete. Jornais, rádios e tevês lhe abriram senhores espaços. Mas o anúncio deixou muita gente encucada. Alguns repórteres diziam que o terceiro homem mais rico do mundo “se aposentou”. Outros diziam simplesmente “aposentou”. E daí? Trata-se do calo do verbo pronominal.
 
Imagine a cena. O presidente da República pede cadeia nacional de televisão. Em pleno horário nobre, olhos firmes na tela, declara:
 
— Eu exonerei ontem.
 
 Curiosos, os brasileiros perguntariam:
 
— Exonerou quem?
 
O mesmo ocorreria se o opulento Faustão se vangloriasse:
 
–Eu distraio aos domingos.
 
–Distrai quem?”, indagariam as tietes enciumadas.
       
Essa história ocorre com alguns verbos transitivos diretos. Coitados! Incompletos, não conseguem dar o recado sozinhos. Precisam de socorro — o objeto direto que duramente aprendemos na escola. Lembra-se da fórmula?
 
Tomemos o exemplo de separar. Quem separa separa alguém ou alguma coisa:
 
Camilla separou Diana de Charles.
 
Diana é o objeto direto.
 
E o verbo exonerar? Quem exonera exonera alguém. Lula exonerou Waldomiro Diniz. Waldomiro Diniz, no caso, é o objeto direto.
 
E o Faustão? Quem distrai distrai alguém. O Faustão distrai o público.
       
 
Aposentar joga no mesmo time. Quem aposenta aposenta alguém. O INSS aposenta o trabalhador. O trabalhador se aposenta. Bill Gates vai atrás — aposenta-se.
 
 
 
Faz e leva
 
 
A língua é cheia de artimanhas. Às vezes a mesma pessoa pratica e sofre a ação. É, ao mesmo tempo, sujeito e objeto direto. Aí, o pronome átono funciona como complemento. Quer ver?
 
 
Eu me feri.
 
 
Polivalente, o sujeito, eu, fere e é ferido. Me é o objeto direto.
 
 
Exemplos não faltam. Acender (alguém acende a luz, mas a luz acende-se), apagar (alguém apaga a luz, mas a luz apaga-se), aposentar (o INSS aposenta o trabalhador, mas o trabalhador aposenta-se), complicar (alguém complica a vida de outro, mas ele se complica), derreter (o calor derrete o sorvete, mas o sorvete se derrete).
 
 
Há mais. Encerrar (o apresentador encerra o programa, mas o programa se encerra), esgotar (o repórter esgota a matéria, mas a matéria se esgota), estragar (o sol estraga a fruta, mas a fruta se estraga), esvaziar (o líder esvaziou a sessão, mas a sessão se esvaziou), formar (a universidade forma o aluno, mas o aluno se forma), iniciar (o presidente inicia a reunião, mas a reunião se inicia).
 
       
É isso. Quando o sujeito pratica e sofre a ação, o pronome tem de aparecer — firme, inelutável: eu me aposento, tu te aposentas, Bill se aposenta, nós nos aposentamos, eles se aposentaram.