Obras de Santa Engrácia
Márcio Cotrim
É tudo aquilo que demora, avança lentamente, parece interminável. Popularmente, as obras de igrejas, sempre adiadas por alegadas carências de recursos, obtidos de piedosas doações dos fiéis.
O berço da expressão se encontra na construção do templo de Santa Engrácia, perto do Campo de Santa Clara em Lisboa. Suas obras, iniciadas em 1682, só foram concluídas, pasme, em 1966, 284 anos depois! Hoje, a igreja é considerada Panteão Nacional de Portugal. Lá descansam, aliás, os restos mortais dos ex-presidentes lusitanos Teófilo Braga e Oscar Carmona, dos escritores Almeida Garret e Guerra Junqueiro e da fadista Amália Rodrigues, um dos mais queridos ícones portugueses.
Mas quem foi Santa Engrácia? Natural da cidade espanhola de Zaragoza, viveu no século 4 e foi vítima de bárbaras torturas impostas pelo imperador Diocleciano. Teve membros amputados, olhos arrancados e vísceras expostas, mas não renegou a fé católica. A igreja leva seu nome, mas a santa não teve nada a ver com a demora. Entrou na história como Pilatos no Credo…
A catedral da Sagrada Família, em Barcelona, fantástico projeto arquiteto Gaudí, é bom exemplo de uma obra de Santa Engrácia. Iniciada há mais de 100 anos, ainda vai levar tempo para ficar pronta, pois conta apenas com recursos da contribuição popular.
A obra de Santa Engrácia, no Brasil de hoje, tem sido a preparação para a próxima Copa do Mundo, o que tem causado reações praticamente diárias da imprensa, da população em geral e até do secretário da Fifa, a própria promotora da competição, que chegou a soltar o verbo recomendando que se desse um pontapé nos fundilhos dos dirigentes tupiniquins, que vêm tratando o momentoso assunto com a proverbial leniência dos que adotam o princípio lembrado por Millôr: “Nunca faça amanhã o que pode ser feito depois de amanhã”.