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“Como escreve o jornalista?”, perguntaram certa vez a Eduardo Martins. “Com pressa”, respondeu o autor do Manual de redação e estilo do Estado de São Paulo. A correria responde por boa parte de tropeços e tropeções que se encontram nas páginas de jornais. Leitores atentos reclamam. Com razão. Pagam por um produto de excelência e exigem a contrapartida. Muitos telefonam. Outros mandam cartas ou e-mails. A coluna de hoje comenta justas manifestações de amantes da notícia e da língua.   Cadê o artigo?

João Alírio escreve: ” `Coutinho chama atenção para o fato de que, se cada fornecedor apoiar um pouco, a vida pode ser mais feliz´, escreveu o jornal de segunda-feira. Viu? Faltou o artigo. A gente chama a atenção — sempre”.   De Natal ou do Natal?

“Delicio-me, sempre, com suas eloquentes e bem elaboradas dicas de português, tendo, inclusive, destinado uma pasta exclusiva para agasalhar ensinamentos tão importantes”, diz José Walterler. “Mas, creio eu”, continua ele, “inexiste neste mundo de Deus, salvo raras exceções, quem não tropece nesta antiga e tão atual língua, originalmente falada no Lácio. Recorro, pois, a sua sapiência para diluir atroz dúvida gerada por uma pergunta a mim dirigida por meu filho de cinco anos. `Papai´, perguntou ele, `o certo é cidade de Natal ou cidade do Natal?´”

José, nome de cidades em geral tem alergia a artigo. A gente diz sou de Natal, sou de Brasília, sou de Belô, sou de Porto Alegre. Sem artigo, o do não tem vez. O de pede passagem: Sou da cidade de Natal. Sou da cidade de São Paulo. Sou da cidade de Miami.

O Rio, o Cairo o Porto são exceções que confirmam a regra. Acompanhados do artigo, abrem alas ao do (combinação da preposição de + artigo o): Sou do Rio. Sou da cidade do Rio. Sou do Cairo. Sou da cidade do Cairo. Sou do Porto. Sou da cidade do Porto.

E Recife? A capital dos pernambucanos joga em dois times. Na região, pede o artigo. Fora da região, dispensa-o: Sou de Recife. Sou da cidade de Recife. Sou do Recife. Sou da cidade do Recife.   Fundos do lote

“Deparei-me com a seguinte frase no jornal de hoje: `Dona da casa em frente ao lote que ela ocupava os fundos´. Estou enganado ou um jornalista profissional não deveria escrever assim?”, pergunta Ayrton Pisco.

Ops! O repórter pisou o mais doloroso espinho da língua portuguesa. Trata-se do pronome relativo. Lembra-se deles? Que, qual, cujo, onde são alguns. Eles têm função pra lá de estética. Evitam a repetição de palavras. Desmembrada a frase citada por você, temos:

Dona de casa em frente ao lote. Ela ocupava os fundos do lote.

O termo repetido? É lote. No caso, indica posse (do lote = dele). O cujo pede passagem: Dona de casa em frente ao lote cujos fundos ocupava.   Generosos e sovinas

“No rodapé da ilustração de Oscar Niemeyer publicada no domingo, leio: `102 anos completos hoje´. A forma completos não me parece certa. O correto é completados, não?”, pergunta Roldão Simas Filho.

Sabe qual é o nó da questão? Muitos confundem os verbos generosos com os sovinas. Generosos são os abundantes. Eles têm mais de um particípio. É o caso de matar (matado, morto), imprimir (impresso, imprimido), abrir (abrido, aberto). Completar é pão-duro. Só tem um particípio — completado. A frase mereceria nota 10 se estivesse assim escrita: 102 anos completados hoje.   Verbo-ônibus

Wilson Ximenes ficou com a pulga atrás da orelha. Por quê? “Li no jornal de domingo: `Exigiu que fosse o preço praticado pela firma anterior´. Está correto o emprego de praticar?”

O verbo praticar virou praga. Com cintura mais flexível que de político mineiro, parece chiclete. Adapta-se a qualquer contexto. Praticam-se preços, praticam-se prazos, praticam-se juros, praticam-se caixas dois. Valha-nos, Deus! Cobrar, fixar, recorrer & cia. sofisticada ficam pra lá. Resultado: quem abusa do verbo-ônibus denuncia-se. Diz que tem um vocabulário deste tamanhinho, ó. Para ficar bem na foto, é melhor dar a César o que é de César. Cobre preços e juros. Fixe prazos. Recorra a caixa dois.