Banquete no céu

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A casa do Senhor amanheceu agitada. Nova moradora chegaria dali a pouco. Ela nem precisou bater à porta. São Pedro, bonachão, repetiu a ordem dada a Irene, de Manuel Bandeira: “Entra, Conceição, você não precisa pedir licença”. Sorriso largo, olhos curiosos, ela obedeceu.

Na comissão de frente, organizada por Joãosinho Trinta, recepcionavam-na os bem-amados de toda a vida. Entre eles, o Aurélio do dicionário, Said Ali, Machado de Assis, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Patativa do Assaré, Elis Regina, Tim Maria. Mais no fundo, Jorge Luis Borges lia com serenidade majestosa. Ao vê-la, deixou o livro de lado e disse-lhe cúmplice:

— Viu? O céu é uma biblioteca sem fim. Deus precisava de você para organizá-la.

Depois de rápida mirada, ela percebeu a falta:

— Cadê o Houaiss?

O dono da casa, que tudo ouve e tudo vê, sorriu maroto. Pegou a moradora pela mão e levou-a à cozinha. Lá estava o chef do céu. Antonio Sales o ajudava. Preparavam um prato especial para o almoço — mjadra, o arroz com lentilha árabe. Ela entendeu. A amiga que se dizia a melhor cozinheira fenícia da cidade prometeu um almocinho com a iguaria. Passaram-se quatro anos. Nada. Ninguém entendia a procrastinação. Agora ficou claro. Conceição merecia a mjadra do céu.   Por falar em cozinha…

Coser ou cozer? Os dois verbos existem. Embora soem do mesmo jeitinho, um se escreve com s; o outro, com z. A letra faz a diferença. Cozer pertence à família de cozinha, cozinhar, cozinheiro. Coser faz parte do clã que lida com agulhas e linhas. É sinônimo de costurar. Assim, cose-se a blusa. Cozinha-se a lentinha e o arroz.