É um susto atrás do outro. Mães e pais estão com o cabelo em pé. Por quê? Filhos, afilhados e agregados não desgrudam do computador. Passam horas nas salas de bate-papo. Nas conversas, usam língua própria: abreviaturas estranhas, palavras inventadas — tudo aos pedaços, sem começo nem fim, sem pé nem cabeça.
Outro dia, Paula Aparecida parou atrás da moçada. Como quem não quer nada, deu uma espiada na tela. Não acreditou nos próprios olhos. Ali estava, sem tirar nem pôr, esta peça cibernética:
Las diz:
Alan…
Las diz:
diga…
Las diz:
bixo…
Las diz:
q vai rolar hj?
Alan diz:
Kara, a galera vai sair aê
Las diz:
Hum… legal!
Las diz:
olha soh… c tu quiser ir… dá um toke
Alan diz:
Blz… qq coisa ligo
Espero ter ajudado.
Atenciosamente,
André Luiz
Preocupada, a mãe perguntou: O que que eu faço? Finjo que não vejo? Ou proíbo a farra? Se deixo tudo como está, daqui a pouco meus filhos vão escrever cachorro com k e x. Ou será que já chegaram lá?
O xis da questão
Ler e escrever são habilidades. Nadar, correr e datilografar também. Para desenvolver-se, exigem treino. Gustavo Borges é campeão olímpico de natação. Ele não ganhou a medalha de ouro. Conquistou-a. Foram milhares de horas de braçadas, outras tantas de musculação e não menos de renúncias. Hoje, ele se exibe de frente, de costas, de lado. Dá cambalhotas. Faz malabarismos dentro d’água. Pode tudo.
A aquisição da leitura e da escrita passa por processo semelhante. Quando se alfabetiza, a criança entra no universo da língua escrita. No começo, lê com dificuldade e escreve com (muitos) tropeços. Troca, acrescenta, suprime letras. À medida que se familiariza com esses, zês, jotas e agás, os enganos diminuem. A tendência é baterem asas e sumirem.
Parece milagre. Pirralhinhos de 8-9 anos grafam hospital com h. Desenho, com s. Cachorro, com ch e dois erres. Como chegaram lá? Não foi com o estudo da etimologia. Nem com regras ou palmatórias. A chave do êxito se chama familiaridade. A criança vê a palavra. Fixa-a. E a reproduz. Daí a íntima relação entre a leitura e a escrita. Quanto mais se lê, melhor se escreve.
A língua é um conjunto de possibilidades. Com o tempo nos tornamos poliglotas no nosso idioma. Se estamos com a turma, usamos a gíria do grupo. Se na entrevista da seleção de emprego, outra. Se nos bate-papos da internet, mais uma. Todas têm hora e vez. Trocar as bolas? Dá o samba da língua doida.
Eis o risco das salas de bate-papo. Elas têm um código próprio. Quem quiser participar das conversas, precisa dominá-lo. Ali a velocidade é a lei. Regras de ortografia, sintaxe ou pontuação perdem-se sob o teclado. Na tela mágica, impera o vale-tudo. O analfabeto cibernético não tem vez no jogo. Cai fora.
Os que dominam as várias línguas da língua, entram e saem sem problema. Mas os que engatinham na aprendizagem do básico podem entrar em parafuso. É como o brasileiro que resolve aprender inglês, francês, italiano, espanhol e romeno ao mesmo tempo. Há um momento em que a confusão se instala.
E daí? Proibir a meninada de teclar? É difícil. Melhor fazer um trato: a cada minuto diante da tela, deve corresponder uma hora de leitura. A troca vale a pena.