Viver em sociedade implica exercitar os limites. O direito de um acaba onde começa o do outro. Ultrapassar linhas às vezes tênues pode levar a excessos e, até, a atos de violência. Eis a encruzilhada por que passa a sociedade brasileira.
A intolerância ganha espaço e, não raro, amplia perigosamente os tentáculos. Episódios recentes merecem análise cuidadosa. Parecem duvidar da capacidade de pais e professores de discernir entre o certo e o errado e, por isso, precisam de tutela.
Com acerto, o politicamente correto se impôs. Palavras que ofendem grupos ou reforçam preconceitos precisam ser evitadas. A mídia, em respeito aos leitores, ouvintes ou telespectadores, adotou a norma. Manuais de redação e estilo chamam a atenção para o fato e orientam a expressão dos profissionais. Escolas também se empenham em educar crianças e adolescentes para o convívio harmonioso com os diferentes.
Ocorre que o razoável ganha contornos de insensatez. Cantigas infantis e personagens do folclore passaram a ser censurados. O velho “atirei o pau no gato” virou “não atirei o pau no gato”. O Saci-Pererê não pode ser apresentado como negro que pula numa perna só. É, como a Curupira, deficiente físico. O Negrinho do
Pastoreio precisa mudar de nome.
Monteiro Lobato, um dos mais influentes escritores da literatura brasileira, entrou na mira obscurantista. O Instituto de Advocacia Racial (Iara) quer impor condições para a adoção de As caçadas de Pedrinho nas escolas. Acusa Lobato, por causa da personagem Tia Anastácia, de racismo e uso de estereótipos. Feriria, com isso, o artigo 5º da Constituição. Negrinha acaba de entrar no índex.
Os opositores do escritor paulista ignoram, como frisou o Conselho Nacional de Educação, o contexto em que a obra foi criada. Não se pode julgar os valores de 1933 com os de 2012. A leitura dá excelente oportunidade aos professores de tratar de preconceito, racismo, politicamente correto onde deve ser tratado — na sala de aula. A censura, com certeza, presta desserviço à cultura brasileira e à educação dos jovens.
Filmes também são alvo de caçadas. O delegado Protógenes Queiroz, hoje deputado federal, pediu a proibição de Ted, película que mostra um ursinho viciado em drogas. Depois, voltou atrás. Solicitou ao Ministério da Justiça que altere a classificação etária para 18 anos. Ora, apesar de Ted ser recomendado para maiores de 16 anos, Protógenes levou o filho de 11 ao cinema para assistir à comédia.
Desconsiderou a importância de respeitar a opinião de especialistas. Impõe-se dar a vez ao bom-senso. Pais, tios, avós, professores têm a responsabilidade de educar crianças e adolescentes para o convívio social. Não precisam de tutela. Considerá-los incapazes é cassar-lhes a autoridade.
(Editorial do Correio Braziliense de hoje)