“Não, não é fácil escrever. É duro como quebrar rochas. Mas voam faíscas e lascas como aços espelhados.”
Clarice Lispector
As penetras
Francisco Mario Feijó é atento observador das transformações por que passa a língua. Uma das mudanças que lhe chamam a atenção trata do avanço dos anglicismos no nosso idioma. É dele a carta que aborda o assunto.
“Fico a pensar menos nos erros de português e muito mais no uso indiscriminado de palavras e frases em inglês, que, vale ressaltar, não é um fenômeno apenas no Brasil. No Japão, é um verdadeiro horror. Na França, constato perplexo, utiliza-se week-end em vez de fin de semaine…
“Vemos o nosso porto que de Companhia Docas de Santos passou para Codesp e agora ostenta um nome inglês. Não poderia ser Autoridade Portuária de Santos e como subtítulo o tal Santos Port Authority? Assim, um dia teremos talvez o nome Saints Port Authority. Já vi placas de ruas, em Águas de Lindóia, sendo traduzidas assim, nem se poupando o nome próprio do local.”
Conversadeiras
As línguas adoram bater papo. Umas influenciam as outras. Quanto maior o contato, maior a influência. No século 19, o português sofreu grande influência do francês. Assimilou várias palavras do idioma de Victor Hugo. Abajur, garagem, bufê, balé servem de exemplo.
No 20, o inglês chegou com força total. Falado pela potência planetária, que vende como ninguém sua música, seu cinema e sua tecnologia, impôs-se como língua internacional. O português incorporou muitos vocábulos.
A questão ficou tão banalizada que há regras para emprego das estrangeirinhas.
Como lidar com as estrangeiras?
1. Dê preferência à palavra vernácula: pré-estreia, não avant-première; primeiro-ministro (premiê), não premier; começar, não estartar.
2. Prefira a forma aportuguesada à estrangeira: gangue, chique, xampu, recorde, cachê, butique, buquê, uísque, conhaque, panteão, raiom, gim.
3. Se a importada estiver incorporada ao português em sua grafia original, escreva-a sem grifo ou qualquer destaque: rock, marketing, shopping, show, know-how, software, hardware, smoking, habeas corpus, marine, punk, lobby.
4. Derivados de línguas estrangeiras se tornam híbridos. Mantêm a estrutura original do vocábulo e acrescentam os sufixos ou prefixos da língua portuguesa: Byron (byroniano), Kant (kantiano), Marx (marxista), kart (kartódromo), Weber (weberiano), Thatcher (thatcherismo).
Indignado
Nem só Francisco Mario se indigna com o abuso de estrangeirismos na língua. Outros também se incomodam. Um deles é Marcelo Abreu, que trava guerra impiedosa contra a invasão dos anglicismos na língua portuguesa. Outro dia, exprimiu a indignação com esta lista de penetras desnecessários:
Começar em vez de estartar.
Ajuda em vez de help.
Passatempo em vez de hobby.
Compras em vez de shopping.
Aparência em vez de look.
Registro de entrada em vez de check-in.
Registro de saída em vez de check-out.
Cópia de segurança em vez de backup.
Senha em vez de password.
Prazo máximo em vez de deadline.
Etc. e tal.
Grandes navegações
As grandes navegações escancararam as portas do mundo. Oba! Os homens começaram a viajar mar afora. Conheceram outros povos, que falavam outras línguas, que se misturavam às dos forasteiros. Ao voltar, os viajantes carregavam novas palavras na bagagem. Tinham, também, deixado vocábulos por onde passaram. Assim, os estrangeirismos foram ganhando nacionalidades locais.
Leitor pergunta
“Rio recebe mega exposição sobre dinossauros”, escreveu a GloboNews na telinha. A grafia merece nota 10?
Linda Souza, Rio
O hífen é castigo de Deus. São tantas regras e tantas exceções que até o Senhor precisa consultar o dicionário. A GloboNews não foi ao pai de todos nós. Deixou de aprender que mega se encaixa na regra da maior parte dos prefixos. Pede o tracinho quando seguido de h ou no encontro de letras iguais: mega-história, mega-amizade, mas megaexposição, megarreforma, megassalário.